Imagens de Benedito Junqueira Duarte (1910-1995) revelam surpresas da cidade
Livro B.J. Duarte: Caçador de Imagens traz, além de detalhes curiosos da história de São Paulo, retratos inéditos de alguns nomes do modernismo brasileiro
Os bondes puxados por burros começaram a circular pela Rua Coronel Xavier de Toledo em 1877. Cada um deles comportava doze passageiros e o bilhete custava 1 tostão. Na virada do século XX, foram substituídos pelos bondes elétricos, que desapareceram em 1966. Os paralelepípedos também sumiram da paisagem da região central. “Foram cobertos por apenas uma camada de asfalto logo após a II Guerra”, conta o arquiteto e historiador Benedito Lima de Toledo. “Com esse servicinho porco, as vias ficaram cheias de ondulações.”
Eram 5 000 pacientes por ano. Hoje são 1,8 milhão
Em 1938, no lançamento da pedra fundamental do Hospital das Clínicas (HC), o então interventor federal Adhemar de Barros considerou um “imperativo social” a sua construção. “O hospital, com capacidade para cerca de 1 000 leitos, representa um valioso auxílio para a solução do magno problema de assistência hospitalar”, discursou. Após quase seis anos de obras, o HC foi inaugurado, em 1944, a três quarteirões da Avenida Paulista – e praticamente sem vizinhança. Naquele ano, seus vinte médicos cuidaram de 4 900 pacientes. Em 1945, o número multiplicou-se para 23 000 atendimentos. Atualmente, o lugar é um ímã de gente. Por ano, 1,8 milhão de pessoas vão atrás dos 3 500 médicos e professores que tornam o complexo um centro de excelência como poucos no país. Até o início dos anos 90, os pacientes ficavam divididos em alas. “O lado direito era masculino e o esquerdo, feminino”, conta Manoel Fabiano, responsável pela manutenção dos prédios. “Cada quarto de enfermaria tem no máximo duas camas. Naquela época, eram salões com até catorze leitos”, lembra ele, que começou a trabalhar ali em 1952.
Criada na confluência dos rios Tietê e Tamanduateí, São Paulo convive com enchentes desde a sua fundação. “Em 1556, depois de uma forte tempestade, o padre José de Anchieta comentou em uma carta que faltou pouco para não sobrar ninguém na Vila de Piratininga”, conta o meteorologista Augusto José Pereira Filho, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Após quatro séculos de desordenado crescimento urbano, a situação só piorou, como mostra a foto ao lado, tirada em janeiro de 1940, quando uma dezena de carros submergiu na Rua da Cantareira, no centro. Ah, sim. Na ocasião, os governantes já culpavam São Pedro.
A construção de um dos nossos orgulhos
As arquibancadas ficaram cheias – e nem era para ver um jogo de futebol. No dia 27 de abril de 1940, 60 000 pessoas acomodaram-se no Pacaembu para assistir à solenidade de inauguração do estádio, com o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio interpretando As Sílfides, de Chopin. Houve ainda um desfile de 15 000 atletas e uma revoada de 5 000 pombas. No dia seguinte, às 14 horas, a bola rolou: o Palestra Itália (atual Palmeiras) goleou o Coritiba por 6 a 2. A construção do estádio, em uma área de 75 000 metros quadrados cedida pela Companhia City, levou quatro anos. Seus motivos geométricos e as imponentes estruturas de concreto armado impressionaram os paulistanos. Em 1961 foi batizado de Paulo Machado de Carvalho, uma homenagem ao chefe da delegação brasileira na Copa de 1958.
Sim, cortiços na Oscar Freire
Quem bate perna na Rua Oscar Freire, luxuoso shopping a céu aberto da cidade com 150 lojas apenas nos seus cinco quarteirões mais badalados, não imagina que um ponto tão nobre abrigou um dia cortiços. Na década de 30, famílias pobres moravam em precárias casas de alvenaria. “A Oscar Freire começou a se valorizar nas décadas de 50 e 60”, afirma Luiz Paulo Pompéia, diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp). “Nos anos 80, houve uma nova alavancagem com a chegada de lojas-âncora e a alta densidade de imóveis de classe média alta na região.” Próximo dali, no centro, paulistanos tentavam faturar trocados no jogo de dados. Cena comum daquela época, flagrada pelas lentes de Benedito Junqueira Duarte. “Ele registrava o que era costume na cidade. Tinha uma preocupação documental”, afirma a arquiteta Mônica Camargo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.