Gestão Doria viola Lei de Acesso à Informação
O chefe de gabinete Lucas Tavares, que disse em áudio agir para dificultar o acesso a dados solicitados, foi demitido nesta quarta (8)
Uma gravação oficial de reunião da Comissão Municipal de Acesso à Informação (Cmai) obtida pelo jornal O Estado de S. Paulo mostra que a gestão João Doria (PSDB) viola a Lei de Acesso à Informação (LAI). Em áudio de 1 hora e 10 minutos de duração, o chefe de gabinete Lucas Tavares, número 2 da Secretaria Especial de Comunicação, revela que age para dificultar o acesso de jornalistas a dados solicitados. Ele foi demitido pelo prefeito na manhã desta quarta-feira (8). “Falou o que não devia e agiu como não deveria”, disse Doria, ao anunciar a decisão.
Na gravação, Tavares afirma que, dentro do que for “formal e legal”, vai “botar pra dificultar” e que, se a resposta demorar a chegar, o jornalista vai “desistir da matéria”. Para especialistas, a prática pode constituir improbidade administrativa e prevaricação. A prefeitura nega irregularidades.
Em vigor no país desde 2012, a lei foi criada para garantir o acesso da população a informações de órgãos públicos. O pedido pode ser feito por qualquer cidadão, independentemente do motivo e tem de ser respondido sempre que a informação existir. Considerando o princípio de impessoalidade na administração pública, a solicitação deve ser analisada pelo órgão sem levar em consideração o autor.
A preocupação da prefeitura é com informações que atingem pontos sensíveis para a gestão, como o número de operações tapa-buraco e de fiscais nas prefeituras regionais e os dados da Saúde, por exemplo. “Como buraco é sempre matéria por motivos óbvios – a cidade parece um queijo suíço, de fato -, e a gente está com problema de orçamento, porque precisaria recapear tudo, então tem matéria nisso. Agora, dentro do que é formal e legal, o que eu puder dificultar a vida da Roberta (Roberta Giacomoni, jornalista da TV Globo), eu vou botar pra dificultar, sendo muito franco”, diz Tavares ao analisar pedido da profissional, que foi indeferido. Na reunião, ocorrida em 16 de agosto, na Controladoria-Geral do Município, estavam outros sete representantes da prefeitura, entre técnicos, secretários adjuntos e a então controladora-geral, Laura Mendes.
Pela lei, o órgão que recebe a solicitação deve fornecer a informação imediatamente, se ela estiver disponível, ou em um prazo de até vinte dias, prorrogável por mais dez, se houver justificativa. Se mesmo assim não houver resposta, a Controladoria-Geral do Município emite um ofício ao órgão, solicitando a resposta. Se o retorno for considerado insuficiente ou incompleto pelo autor, a demanda é julgada pela Cmai, que se reúne mensalmente.
Na prática, o número de pedidos sem resposta subiu de 90 (4%) para 160 (6%) entre janeiro e maio deste ano (maior série histórica possível, segundo dados divulgados pela prefeitura), ante o mesmo período de 2016. Já o número de solicitações que tiveram prazo prorrogado aumentou de 295 (13%), em 2016 para 521 (19%). A prefeitura aponta que os indeferimentos (informação não fornecida com justificativa) vêm caindo desde 2013 e sugeriu ao Estado uma análise “qualitativa”.
Ao fazê-la, a reportagem encontrou pedidos sem retorno por mais de sessenta dias e respostas genéricas, que mandam o solicitante buscar os dados no Diário Oficial da Cidade sem informar data ou página. A lei prevê como punições por seu descumprimento advertência, multa e rescisão do vínculo com o poder público, entre outros.
Na gravação, Tavares demonstra saber quem são os autores dos pedidos analisados na reunião. “Ela (Roberta Giacomoni, jornalista da TV Globo) é hoje, junto com o Toledo (Luiz Fernando Toledo, do jornal O Estado de S. Paulo) quem mais pede informações pela lei), acho que ela já passou o Toledo. Eu tenho um ‘ranquezinho’ mental aqui dos caras, dos jornalistas que pedem. Ela, o William Cardoso (repórter do Agora São Paulo) e o Toledo são os caras que mais pedem. O Toledo pede da Cultura à Smads (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social), cara. A Roberta também, porque eles pedem esse trem e fazem uma produção.”
Para a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça paulista, a conduta pode envolver dois tipos de ilícitos: “no âmbito administrativo, em que a autoridade superior do funcionário deve apurar, e no criminal ou civil, de improbidade administrativa e eventual prevaricação, se comprovada vontade deliberada de não informar em razão pessoal”, diz. “É premissa básica do Direito Administrativo a impessoalidade da administração pública.” O crime de prevaricação pode levar à detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.
“(A prática) está prejudicando o acesso à informação – seja por quem for, e ser jornalista não faz diferença. Pela lei, é conduta ilícita a recusa desmotivada de fornecer informações, retardar deliberadamente ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta ou imprecisa”, diz a professora da pós-graduação em Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Vera Monteiro.