Fundação Anne Frank sobre pais que viram pornografia em diário: ultrajante e ridículo
Entidade falou sobre acusações, contra escola, de erotização da jovem judia e enviou manuscritos originais à VEJA SÃO PAULO
A Fundação Anne Frank classificou as acusações de erotização da obra da jovem judia por parte de pais de alunos da Escola Móbile, em São Paulo, como “ultrajantes e ridículas”. O posicionamento acontece porque um grupo de pais procurou a direção do colégio de São Paulo alegando que a versão em quadrinhos do “Diário de Anne Frank” tem conteúdo impróprio.
O livro, usado para as aulas de inglês, diz, em tradução livre, que “toda vez que vejo um nu feminino, vou a êxtase” e “esse buraco é tão pequeno que mal consigo imaginar como um homem entra aqui dentro […] já é difícil enfiar o meu dedo indicador dentro”. A escola defende a utilização do clássico para os alunos do 7º ano. A obra “Anne’s Frank Diary: The Graphic Adaptation” é uma versão oficial da história da jovem judia, referendada pela Unicef e pela própria Fundação Anne Frank.
Em posicionamento enviado à VEJA SÃO PAULO, a Fundação Anne Frank diz que entende que esse tipo de reflexão e a abertura sexual pareçam improváveis para uma jovem daquela época, mas que o pensamento de Anne Frank era incomum em muitos aspectos. “Ela tinha ideias muito visionárias sobre a independência feminina, os direitos das mulheres e a posição das mulheres na sociedade em geral.”
Explica também que quando Otto Frank publicou a primeira versão do Diário, em 1946, tais passagens foram suprimidas do original. “Ele estava muito envergonhado e achou que não eram apropriados para uma menina”, diz.
“Mas os tempos mudam, e havia cada vez mais um desejo de muitos fãs de Anne Frank em todo o mundo de conhecer a REAL Anne Frank, então foi decidido, após a morte de Otto Frank, publicar o Diário completo, incluindo pela primeira vez todas as passagens que Otto Frank retirou”, diz a fundação.
“Este Diário completo está agora disponível desde 1991. Ninguém teria, nem remotamente, a ideia maluca de adicionar algo ao diário que Anne nunca tivesse escrito. Por que faríamos uma coisa tão estúpida? Todo o propósito da existência de nossa fundação é PROTEGER o legado de Anne, o que significa ser sempre verdadeira e fiel à sua herança e defender seus direitos de personalidade sem comprometimento”, prossegue.
A fundação ainda enviou, por meio da assessoria de imprensa da escola Móbile, imagens manuscritas e escaneadas das passagens originais do texto. “Qualquer pessoa que entenda o holandês verá que essas passagens foram realmente escritas por Anne Frank.”
Veja abaixo [a reportagem continua após as imagens]:
A Editora Record, parceira da Fundação Anne Frank no Brasil, também saiu em defesa do colégio e disse que a acusação de que a obra seria pornográfica e ofensiva à comunidade judaica é “totalmente infundada e descabida” e ressalta que o título é adotado por centenas de escolas no Brasil e no mundo.
“A versão em quadrinhos, publicada com muito orgulho pela Editora Record, assim como a sua versão em inglês, retrata de forma fiel o trecho do diário em que a autora, a adolescente judia Anne Frank, fala sobre a descoberta do próprio corpo, algo comum nesta fase da vida.”
Outra entidade que saiu em defesa da obra foi a Federação Israelita do Estado de São Paulo. Também em nota, ela diz que o ensino do Holocausto é fundamental para que as novas gerações entendam do que o ser humano é capaz e parabeniza a escola pela luta contra o preconceito e a discriminação. “Em nenhum momento vemos indício de antissemitismo no material”, afirma a federação, que ressalta que os trechos foram tirados de contexto e geraram um debate desnecessário sobre o tema.
Anne Frank foi uma adolescente de origem judaica vítima do Holocausto em 1945. Ela se tornou uma das figuras mais importantes da História pelo seu diário, publicado postumamente, em que relata suas experiências enquanto vivia escondida. A obra foi declarada patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).