Há uns dois anos, em evento numa livraria, a sobrinha de uma amiga perguntou à tia se lhe emprestaria dinheiro para comprar um livro. Mostrou-o: pequeno no formato e no número de páginas, capa cor-de-rosa. Um livro de frases, dessas que as garotinhas de 10 anos adoram. A tia logo se posicionou contra, mas sem dizer “não empresto”. Falou para a sobrinha sentar, dar uma lida, ver se queria mesmo levar aquele, pensasse bem. Se confirmasse a escolha, emprestaria o dinheiro. Se escolhesse outro, conforme fosse, o ganharia de presente. Leitora de bons livros, gostaria que a sobrinha pe–gasse coisa mais inspirada, uma Lygia Bojunga, uma Clarice Lispector, mas não quis impor. A menina sentou-se, obediente, leu várias páginas, e voltou:
– É este mesmo que eu quero.
Gostei da determinação da garota. Uma frase bem-feita tem sabor. Para a idade dela, não fazia mal que fosse sabor de chiclete de morango. A leitura daquelas pérolas de plástico poderia marcar o começo de uma relação com pequenas esculturas de palavras. Antes das grandes.
Todo mundo gosta de uma frase bem-feita. Daquelas em que o conceito, a forma, a síntese, a engenhosidade, a originalidade e o humor se juntam para formar uma pérola verdadeira. Frasistas são pessoas de espírito.
Em certas famílias paulistanas, quando um jovem começava a fazer frases com algum efeito, diziam que ele tinha queda para político. Era um tempo em que os políticos recheavam mais a cabeça do que os bolsos.
Disse que todos gostam de uma frase bem-feita, e não é verdade: o escritor francês André Gide, usando um daqueles jogos de palavras que costumam ser a alma desse tipo de frase, afirmou: “É por fazer bem as minhas frases que tenho horror às frases bem-feitas”.
Frases engenhosas são pinçadas de obras maiores e circulam a pé por aí, cidadãs livres, repetidas por pessoas que nem leram os livros de onde elas saíram. Várias delas, de dois dos nossos maiores escritores, Machado de Assis (“Suporta-se com paciência a cólica do próximo”; “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”) e Guimarães Rosa (“Viver é muito perigoso”; “O diabo sabe que não existe”), circulam assim, como troco miúdo que anda de bolso em bolso. Quantos não leram a Bíblia e vivem repetindo frases dela, sem saber?
Tecnicamente, algumas nem são frases, mas enunciados – só que essa palavra não fica bem em crônica. Precisam de duas, às vezes três frases para fechar a ideia. Como esta, de que gosto pelo que tem de concreto, visual:
“Não tinha prateleiras para guardar insultos. Devolvia-os logo” (Ciro Vieira da Cunha, em livro sobre Paula Nei).
Ou esta, que circulou na web, sem autor, e tira sua graça do velho truque da comparação que parece sem propósito:
“Casamento é como submarino. Até flutua, mas foi feito para afundar”.
Outra que usa o mesmo velho truque e imagino como o comentário conformado de um hétero esquerdista diante da parada gay da Avenida Paulista:
“O heterossexualismo é co–mo o socialismo. Con–cei-tual–mente é o melhor para a hu–manidade, mas historicamente fomos derrotados” (Web).
Algumas buscam seu engenho na quebra poética do sentido lógico:
“Quando crescer, quero ser criança” (Joseph Heller).
Outras, que continuam a brotar do povo, juntam humor e conselho, são rápidas, têm a estrutura e a sabedoria dos ditados:
“Galinha que anda com pato morre afogada”.
Há outras certeiras ao detectar diferenças sociais:
“Dinheiro é o cartão de crédito do pobre” (Marshall Mac-Luhan).
Volto ao motivo inicial da crônica: a menina do primeiro parágrafo, que agora tem 12 anos. Procurou-me nos feriados do Carnaval. Eu estava viajando e ela me deixou na portaria um pacotinho com um bilhete: “Tio, me dê a sua opinião”. Era um caderno manuscrito com seus primeiros contos e poemas.