Estúdio criativo com designers neuroatípicos lança projeto com a Disney
Projeto Disney Extraimaginário reimagina personagens icônicos em coleções para Riachuelo, Jandaia, Animê, Go Case e Lupo

Quando soube que desenharia o Mickey e seus amigos, a designer Laís Taeb, 46, não conseguiu segurar a emoção e lembrou da visita que fez aos parques da Disney, nos Estados Unidos, e das cores daquele mundo mágico. A artista, que possui paralisia cerebral e é parte da equipe criativa do Estúdio QUE, está entre os seis profissionais neuroatípicos (pessoas com desenvolvimento neurológico ou cognitivo diferente do padrão) que integram o projeto Disney Extraimaginário, parceria entre a agência de design localizada na Vila Leopoldina e a gigante do entretenimento, que recriou personagens icônicos, como o casal Mickey e Minnie Mouse, o Pato Donald e o Pateta. “A iniciativa tem como ponto de partida a interpretação de nossos personagens por pessoas com deficiência e foi natural o convite ao estúdio, que se destaca pela atuação vibrante e inclusiva. Os artistas trouxeram uma abordagem única através das vivências e olhares singulares”, conta Mara Ronchi, diretora de produtos de consumo na The Walt Disney Company Brasil.
Criado em 2019 pela publicitária Luiza Laloni como filial brasileira da agência de design espanhola La Casa de Carlota, o Estúdio QUE assumiu o novo nome em 2023 com o propósito de focar nas necessidades do mercado nacional. A empresa, que já possuía profissionais neurodivergentes e com deficiências intelectuais, decidiu ir além: investir na autenticidade das criações desenvolvidas por eles. “Nascemos dessa busca pela originalidade. No mundo do design, no qual disputamos o tempo todo a atenção do consumidor, ter um produto autêntico é fundamental e coloca nossos clientes à frente. E pessoas neuroatípicas trazem isso de forma muito rápida e natural. Hoje, temos profissionais com síndrome de Down, paralisia cerebral, dentro do espectro autista, que formam toda a nossa equipe criativa. Sessenta por cento da empresa é composta por neurodiversos”, explica a sócia e diretora de novos negócios, Marina Davidovich Cusnir, 31.
A empresa se orgulha do estranhamento que suas criações, por vezes, geram nos clientes e incentiva os criativos na busca da produção mais original. “Nosso processo é bem livre e experimental. Para a Disney, iniciamos com um workshop de técnicas manuais e depois partimos para a pós-produção com digitalização. Usamos muito nanquim, giz de cera e spray”, explica Marina.
Algumas técnicas representam verdadeiros desafios para artistas como Laís, que em um dos projetos teve o primeiro contato com o spray. “Achei que seria impossível por causa da minha coordenação motora. A gente forrou o chão com papel kraft, uma pessoa da equipe segurou a lata para mim e eu apertei o botão para espirrar. No fim, adorei me superar”, compartilha a designer.

Após três meses explorando materiais diversos, a equipe criou seis artes que foram desdobradas em ilustrações para uma série de produtos licenciados (veja fotos acima) e comercializados, desde o começo de abril, nas lojas físicas e e-commerce da Riachuelo, Jandaia, Trifil, Animê, Gocase e Lupo — que este mês lança uma coleção de meias supercoloridas. Camisas, cadernos, garrafas, canecas, sacolas e capas para celular são outros objetos estampados pelo time. “Para essa primeira edição, que marca a estreia do Extraimaginário, escolhemos a nossa franquia número 1 para licenciamento, Mickey e Amigos, e empresas parceiras de setores diferentes. A Riachuelo, por exemplo, lançou mais de dez produtos das linhas de moda e casa. Foi uma alegria ver as marcas abraçando a iniciativa”, afirma Mara Ronchi.

Os trabalhos foram batizados com termos que complementam os traços e cores: Transformação, Originalidade, Imaginação, Possibilidades, Encontros e Magia. “A forma como foram desenvolvidos contribuiu para a criação das histórias. A Transformação, por exemplo, foi a que usamos spray e chama-se assim porque empoderou quem encarou esse desafio. E Encontros é o resultado da junção de fitas adesivas que formam a silhueta de um Mickey. Então, é o que a técnica refletiu não somente no papel, mas também na pessoa que a executou”, compartilha a diretora do estúdio.
Roberto Osti Maia, 31, designer responsável pela arte Encontros, ficou surpreso com o resultado do processo. “No começo foi difícil me inspirar. Trabalhar com fitas foi uma experiência nova, eu nunca tinha desenhado dessa forma, mas me trouxe boas lembranças porque desde criança assisto a muitos filmes e séries da Disney.”

A partir da colaboração com uma das empresas mais conhecidas no mundo, o estúdio pretende alçar voos mais altos e investir cada vez mais no QUE Brut, braço voltado para o desenvolvimento das habilidades artísticas dos profissionais. “Ainda existe uma resistência no mercado. Nem todo cliente está preparado para abraçar a ideia, mas faz parte do nosso negócio, somos uma pequena empresa com uma causa. Nosso desafio é não só vender o projeto, mas convencer que pessoas com deficiência entregam design de excelência com autenticidade”, defende Marina. Uma iniciativa, no mínimo, inspiradora.
Publicado em VEJA São Paulo de 3 de maio de 2025, edição nº 2942