Profissionais e preços atraem estrangeiros a hospitais da capital
No ano passado, 900 000 pessoas estiveram na cidade para realizar algum tipo de tratamento médico ou estético; destas, 50 000 vieram de fora do Brasil
São Paulo recebe 11,5 milhões de turistas por ano. Eles vêm para trabalhar, estudar, comprar, passear e… cuidar da saúde. No ano passado, 900 000 pessoas estiveram na cidade para realizar algum tipo de tratamento médico ou estético. Destas, 50 000 vieram de fora do Brasil, sobretudo dos Estados Unidos, Angola e países da Europa e América Latina. E esse volume vem crescendo. Para se ter uma ideia, em 2009 o Hospital Sírio-Libanês atendeu 2 190 pacientes estrangeiros, 29% a mais do que no ano anterior.
“São Paulo figura entre os destinos internacionais de quem viaja em busca de medicina de qualidade”, afirma Mariana Palha, sócia e fundadora da Medical Travel Brasil, criada há um ano para fomentar o chamado turismo da saúde na capital. Em 18 de junho próximo, a empresa participa, com a Associação Paulista de Medicina, a SPTuris, representantes de hospitais e outras entidades ligadas ao turismo e à medicina, de um fórum que deve discutir parâmetros e estratégias para desenvolver o segmento. Além desse evento, em agosto a cidade abriga o primeiro congresso voltado para o assunto, batizado de Medical Travel Meeting Brazil, organizado pela empresa de Mariana.
A boa qualidade dos médicos e hospitais e os custos mais baixos são os dois principais motivos que atraem estrangeiros a São Paulo. Um implante de silicone nos seios, por exemplo, custa, em média, 16 000 reais nos Estados Unidos. Por aqui, o procedimento sai por um terço desse valor. Foi por isso que a suíça Sabrina Hagmann, dona de um salão de beleza em Zurique, resolveu ficar longe do seu negócio, do marido e do filho de 8 anos por um mês. No mesmo dia, ela foi submetida a redução de mama e implante de silicone, abdominoplastia, lifting de coxa e lipoaspiração.
“Em meu país, eu pagaria o equivalente a 80 000 reais pelas cirurgias. Aqui, gastei praticamente um quarto disso, 23 000 reais”, diz. “E fiquei encantada com o bom atendimento.” Assim como Sabrina, a angolana Áurea Octávio veio ao Brasil pensando em gastar menos e ter sucesso na realização de um sonho muito antigo: ter um filho. Aos 38 anos, ela desejava ser mãe desde os 22. Já havia ido à África do Sul, onde gastou o equivalente a 27 000 reais por um tratamento de fertilização que só dava direito a uma única tentativa de engravidar. Em vão. Aqui, ela pagou 20 000 reais para repetir o procedimento por três vezes na clínica Fertility, que lhe concedeu descontos de 30% sobre o valor que normalmente cobra. A terceira teve sucesso, e Áurea está esperando trigêmeos há doze semanas. “Como é uma gravidez de risco, acho que só volto para meu país depois que os bebês tiverem nascido e puderem viajar”, conta. Até lá, ela está hospedada em um quarto de hotel no Brás.
Aqui é mais barato
Entre os atrativos de quem vem a São Paulo para cuidar da saúde está o custo dos procedimentos. Compare os preços médios em real com os praticados em outros países que enviam pacientes ao Brasil
Para receberem os pacientes que vêm de longe, clínicas e hospitais têm investido numa estrutura especial. É o caso do Albert Einstein, do Sírio-Libanês, do Oswaldo Cruz, do Samaritano e do HCor. Na última década, todos foram acreditados pela Joint Comission International, uma das mais importantes certificadoras de saúde do mundo. Quatro desses hospitais criaram equipes especiais para atender os clientes estrangeiros. “Damos todo tipo de assistência, traduzimos consultas e relatórios médicos, ajudamos a encontrar acomodação em hotéis e orientamos os acompanhantes a se deslocar pela cidade”, enumera a argentina Virginia Rebollo, contratada pelo Einstein especialmente para lidar com os falantes de língua espanhola. Eles também auxiliam nos trâmites burocráti- cos com imigração e planos de saúde internacionais. O Oswaldo Cruz é o único que não tem um grupo de profissionais exclusivos para isso. “Optamos por capacitar todos os funcionários para atender estrangeiros”, diz Luís Gustavo Garavelli, gerente de relações com o mercado.
No mês passado, Maria Teresa de Paz Estenssoro, viúva do ex-presidente boliviano Víctor Paz Estenssoro, esteve internada no Einstein para realizar uma cirurgia de coluna depois de sofrer uma queda em Santa Cruz de la Sierra, onde vive. “Em nosso país, minha mãe só poderia ser atendida em La Paz, que fica a quase 4 000 metros de altitude. Ela não teria condições de ser levada para lá porque sofre de problemas circulatórios”, conta Moira Paz Estenssoro, filha da paciente. “Como alternativa, decidimos vir a São Paulo devido ao prestígio internacional do Einstein.” Em busca de medicina de qualidade, a família Paz Estenssoro viajou outras vezes. Foi aos Estados Unidos e à França, por exemplo. “Hoje, graças à qualidade do atendimento médico no Brasil, podemos nos deslocar para mais perto.” Não está muito distante o tempo em que esse fluxo de viagens era inverso.
Até o fim da década de 90, era muito comum que brasileiros endinheirados fossem ao exterior em busca de medicina de qualidade. “Hoje os pacientes se sentem suficientemente seguros para entregar sua saúde aos profissionais do Brasil”, afirma o infectologista David Uip. “Isso só aconteceu porque o país investiu em capacitação pessoal e tecnológica.” Uip é um dos responsáveis por tornar a expertise brasileira reconhecida internacionalmente. Ele coordena uma equipe de cerca de trinta pessoas, entre médicos, enfermeiros e biomédicos, em Angola, onde realizam dois projetos diferentes, um de aids e outro de biossegurança nos hospitais públicos locais. Graças ao sucesso do trabalho deles, muitos angolanos vêm ao Brasil para realizar tratamentos.
Outro profissional procurado por sua excelência é o cirurgião oncológico especializado em cabeça e pescoço Luiz Paulo Kowalski, do Hospital do Câncer A.C. Camargo. Com 263 publicações em importantes revistas científicas internacionais, o médico é um dos poucos do mundo que realizam um procedimento chamado cirurgia de resgate, feita depois de sessões de químio e radioterapia. “Boa parte dos pacientes submetidos a essa operação chega aqui porque lhes disseram que não haveria mais solução”, diz o cirurgião. “E nós conseguimos que 30% deles continuem vivos até cinco anos depois do tratamento.”
De onde eles vêm
Em 2009, o Hospital Sírio-Libanês, que tem uma equipe para clientes estrangeiros, atendeu 2 190 pacientes desse tipo, 29% a mais do que no ano anterior. Conheça suas origens
Há também quem aproveite viagens de negócios para realizar procedimentos mais rápidos, como um tratamento dentário ou um check-up. É o caso da empresária argentina Solange Ricoy. Dona de uma consultoria em marketing e inovação sediada em São Paulo, Cidade do México e Barcelona, ela experimentou os serviços de saúde de diversos países pelo mundo. Há oito anos, Solange trata seus dentes no Instituto Bibancos de Odontologia, na Vila Mariana, do dentista Fábio Bibancos. “O Brasil tem um serviço muito singular. Os profissionais são extremamente capacitados e as clínicas e hospitais são tão estruturados que chegam a ser luxuosos”, afirma ela, que teve um de seus filhos no Hospital Albert Einstein. “Nunca encontrei nada igual em outra parte do planeta.”
Existe ainda um fluxo interno de pacientes, aqueles que vêm de outras cidades e estados para os hospitais e clínicas paulistanos. A família do bebê Heraldo Lopes, de 5 meses, saiu de São Luís, no Maranhão, para acompanhá-lo numa cirurgia cardíaca de alta complexidade. Em uma consulta de rotina, a mãe do garotinho, Clédina Lobato, descobriu que ele tinha quatro anomalias em estruturas ligadas ao coração. “Os médicos disseram que meu filho teria de ser operado rapidamente e sugeriram que eu o trouxesse para São Paulo”, lembra. Heraldo foi então operado pela equipe especializada em crianças dos cirurgiões cardíacos Glaucio e Beatriz Furlanetto, do Hospital Beneficência Portuguesa, e passa bem.
Além dos hospitais privados, complexos públicos paulistanos atraem pacientes de todas as partes do país. Eles vêm de duas formas: encaminhados pelo Ministério da Saúde ou espontaneamente. No primeiro caso, o custo de consultas, exames e cirurgias, entre outros procedimentos, é coberto pela União. Já quando o paciente está aqui por iniciativa própria, quem paga a conta é o estado de São Paulo. Por tal motivo, esse movimento acaba sobrecarregando o serviço dos hospitais da cidade.
“Não encontramos uma maneira de solucionar esse problema”, afirma Silvany Portas, coordenadora da Secretaria Estadual de Saúde. Um dos principais destinos desse tipo de paciente é o Hospital das Clínicas (HC), centro de referência na maior parte das áreas da medicina. Estima- se que cerca de 8% dos atendidos venham de fora. “Com medo de não serem acolhidas, muitas dessas pessoas se cadastram com o endereço de um parente ou do local onde estão hospedadas, por isso esse número pode ser maior”, diz José Manoel de Camargo Teixeira, superintendente do HC.
Embora o turismo médico venha crescendo ano a ano em São Paulo, ainda está longe de destinos asiáticos como Tailândia, Malásia e Índia, que recebem milhões de pacientes todos os anos. “São Paulo tem uma estrutura em saúde excepcional, mas precisa se tornar conhecida internacionalmente”, avalia o tailandês Ruben Toral, contratado por um pool de empresas governamentais e particulares para elaborar um diagnóstico de como a capital pode explorar melhor o segmento. Toral apresentará seu relatório em agosto, mas adianta um dos nossos grandes desafios: melhorar a estrutura e a capacidade dos aeroportos. “Os terminais são a primeira impressão dos viajantes, e ninguém, sobretudo alguém que vem em busca de saúde, quer gastar horas na fila de imigração, como aconteceu comigo.”