“Ano que vem, o ensino será novamente híbrido”, diz diretor do Bandeirantes
Mauro Aguiar faz críticas ao prefeito (e ex-aluno) Bruno Covas na retomada da educação e diz que cotas de 50% “destroem a universidade pública”
Como está a rotina no Bandeirantes?
Está bem, dentro do possível. A prefeitura adiou por várias vezes o retorno das atividades e teve uma comunicação péssima. Isso provocou vários replanejamentos, porque a cada semana mudava o cenário. No final, estamos com uma porcentagem significativa dos alunos de volta, dentro da ocupação permitida de 20% (no total, são quase 2 700 estudantes no Band). Priorizamos o 3º ano do ensino médio, porque tem vestibular e Enem pela frente.
A estrutura do colégio está sendo usada só pelo 3º ano?
Prioritariamente. Eles têm aula todos os dias. Os outros anos, não.
Que porcentual de famílias topou voltar à escola?
Entre as que se inscreveram para a volta, temos 55% de presença. É bom, levando em conta que é fim de ano e muitos alunos já fecharam a média, ou estão fora em casas de praia, de campo, fazendas…
Tem algum caso de Covid confirmado desde a volta, no dia 7?
Não. Tivemos algumas suspeitas. Mas nós montamos uma estrutura do (Hospital) Sírio-Libanês dentro do colégio. Eles assumiram a parte de saúde. Coordenam os procedimentos, treinam professores. E não é uma parceria só para este ano, porque não há garantia de que haverá uma normalidade no próximo ano e nos seguintes.
Como será 2021 nas escolas?
Por tudo que temos conversado com o Sírio e o governo — e o secretário (estadual de Educação) Rossieli (Soares) tem feito um trabalho extraordinário —, o ano que vem será fundamentalmente híbrido, mas com crescente participação do ensino presencial. Mesmo se tudo correr bem com as vacinas.
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A escola voltará a exigir presença em algum momento de 2021?
Depende de como a sociedade se sentirá em termos de segurança. A onda de pessimismo e pânico está se revertendo. Li uma entrevista com cientistas de Stanford que mostrou que a Covid tem baixa letalidade e o custo do lockdown não compensa.
Mas a Covid é a maior causa de mortes no país. Historicamente, a maior letalidade é por infarto e doenças do coração, que mataram 116 000 em 2019. A Covid, em sete meses, teve 150 000 mortes.
Mas a letalidade, baixa no geral, é baixíssima quando se diminui a faixa etária. Com distanciamento, uso de máscara e isolamento de grupos de risco, chega a um nível tão baixo que não compensa os prejuízos do lockdown. Porque não se pode ignorar os outros prejuízos. Tivemos muitos problemas entre os alunos, por exemplo. Nosso serviço de orientação educacional nunca trabalhou tanto, mais do que nos tempos de aula presencial.
Que tipos de problema?
Problemas emocionais sérios, desde alergia até idealização suicida, e assim por diante.
A pandemia agravou a desigualdade de ensino. Alunos do Bandeirantes, que sempre tiveram vantagem sobre a periferia, terão ainda mais, porque o ensino a distância funcionou mal entre os mais pobres. O que fazer?
A Secretaria Estadual está fazendo um trabalho fantástico com parceiros e empresários — o Magalu vendeu a preço de custo uma quantidade enorme de tablets. Houve um esforço muito grande de melhorar as condições sanitárias nas escolas. Isso tudo é um ganho permanente. Se houve esse problema — e acho que houve —, de que quem estava melhor ficou melhor ainda, há um aspecto positivo também. O que não concordo é com intelectuais que dizem: se vai aumentar a desigualdade, vamos piorar quem está melhor. Isso é um absurdo.
“Os orientadores da escola nunca trabalharam tanto. Os alunos têm problemas emocionais sérios, desde alergias até idealização suicida”
Mas a ideia, ao se igualar a volta das públicas e particulares, não é buscar uma equidade no vestibular?
Mas tem outras questões. Por exemplo, grande parte da pesquisa brasileira é feita na USP e na Unicamp. Se você levar para lá pessoas não qualificadas, compromete toda a sociedade a longo prazo. O papel da universidade não é ser curso de recuperação de ensino médio. A sociedade já tomou 50% das vagas nas universidades públicas para alunos de escola pública. Está destruindo a universidade e disfarçando o problema.
O senhor é contra as cotas?
Não sou contra, desde que se tome muito cuidado para não disfarçar o problema e transferi-lo para a universidade. Ter cota de 20% ou 30% é uma coisa, mas cota de 50% leva para a universidade pública alunos completamente despreparados.
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O senhor tem uma clara preferência pela maneira como o governo do estado gere a situação, em comparação com a prefeitura. Qual a diferença?
É claro. É completamente diferente. O secretário de Estado da Educação defende a educação. E o governador (João Doria) colocou esse secretário junto com o pessoal de saúde e da ciência para discutir os protocolos.
E a prefeitura?
A prefeitura não está entrosada no todo. Há uma tentativa, aparentemente, de (Bruno Covas) se diferenciar: “Eu sou o líder daqui, eu me diferencio”. Parece que ignora o desastre que está sendo montado para as futuras gerações, mesmo entre os privilegiados. “Estou a favor da ciência, a vida é mais importante…” Isso é retórica vazia. Ou dizer: “O dono da escola só pensa em dinheiro”. É uma retórica populista e rasteira.
Como a questão do dinheiro se deu no Bandeirantes? Deram descontos?
Respondi a mais de 520 e-mails e dei 243 descontos. Tem famílias em ótima situação econômica — graças a Deus, a grande maioria.
Vai haver uma aprovação automática velada entre as particulares?
Isso é péssimo. Manda um sinal horrível para os jovens. Agora, é um ano anormal, tem de haver bom senso. No Bandeirantes, as notas estão até melhores que no presencial, não há um problema grave. E as reprovações serão analisadas com muito cuidado.
Então seus alunos aprenderam mais?
Não. Houve mais trabalho em conjunto, e não há como controlar a ajuda dos pais nas provas. Mas não me preocupo com isso. Até porque as escolas mais privilegiadas têm sistemas de apoio educacional forte. Você consegue discernir entre o que é opção do aluno e quando há um problema emocional.
Apesar de tudo, torce pelo ex-aluno Bruno Covas nas eleições?
Meu candidato é o Andrea Matarazzo, mas o Bruno Covas é o segundo melhor nome.
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Publicado em VEJA São Paulo de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710