Na semana passada fui ao cinema Belas Artes pela primeira vez em muitos anos. Está igual por dentro. Nada percebo de muito diferente, fora a estação da Linha Amarela do metrô, ao lado. Isso não havia quando o cinema fechou, três anos atrás. Havia? Subo as escadas rolantes, vindo por baixo da terra pela Linha Verde, apenas porque é possível fazer isso agora. É um caminho novo numa esquina antiga da minha vida, a da Avenida Paulista com a Rua da Consolação. Chego sozinho, sem saber a qual filme assistir. Pergunto à jovem de ascendência nipônica e cabelos compridos do caixa qual filme ela recomendaria. Ela se diz curiosa para ver Norwegian Wood, película baseada em um romance do escritor japonês Haruki Murakami. Não o li, mas o título é irresistível, convenhamos. Quem no mundo não conhece essa música dos Beatles? Quantas pessoas já aprenderam a tocá-la no violão? O que pensam os japoneses sobre ela?
Leio, enquanto espero, um ensaio americano viciante chamado Rewire, de Ethan Zuckerman, e dou uma olhada nos tipos que frequentam o café dali, na entrada das salas de cinema. O subtítulo explicativo e sedutor de geeks da obra é: “Cosmopolitas digitais na era da conexão”. É sobre o impacto da internet nas diferentes culturas do mundo. Como meu pai teria gostado desse livro, penso, com uma ponta de saudade do velho.
Qual não é minha surpresa ao encontrar, no capítulo 5, uma história do locutor esportivo brasileiro Galvão Bueno. Zuckerman conta como alguns internautas brasileiros gozaram do planeta todo ao promover a campanha “Cala Boca Galvão” no Twitter e no YouTube durante a Copa de 2010 — alcançando as paradas de sucesso da mídia social mundial. Para manterem a frase maldosa entre as mais compartilhadas do globo, várias pessoas explicaram, em inglês, seu “significado”. O galvão, escreveram, seria um pássaro ameaçado de extinção por causa do uso frequente de suas penas coloridas pelas escolas de samba para produzir fantasias de Carnaval. Bastava tuitar a expressão para realizar uma doação automática de 10 centavos de dólar ao suposto “Galvão Institute” em prol da preservação da ave. “Um segundo para tuitar, um segundo para salvar uma vida”, sentenciava o refrão da campanha, em inglês.
Deu certo, conta Zuckerman, com indisfarçado prazer. A frase continuou entre os hits da internet, até que o jornal The New York Times explicou, em reportagem do dia 15 de junho de 2010, compartilhada globalmente, sua tradução correta. Segundo o autor, um estudioso do lendário Massachusetts Institute of Technology (MIT), podemos tirar diversas lições dessa história: 1) há muitos brasileiros no Twitter; 2) alguns deles têm um senso de humor terrível; 3) o mundo conectado é poliglota e, ao aproximar os povos, a internet torna as línguas e culturas locais mais importantes para a compreensão do que ocorre no planeta, e não menos, como supunham alguns teóricos nos primeiros anos da rede mundial.
É uma reflexão que seria confirmada, a seguir, na sessão de Norwegian Wood, pensei eu, sentado ali na sala Oscar Niemeyer. Sem o trabalho de tradução e legendagem, eu nada entenderia da delicada cultura japonesa apresentada no filme. Longa vida aos tradutores.