Empreendedora faz sucesso ao unir cantores e mercado publicitário
Os artistas se sentem muito bem quando pensam na ação junto, porque eles têm o conhecimento do seu público e querem manter seu DNA, diz Fátima Pissarra
Pabllo Vittar não estava na escalação oficial dos palcos do Rock in Rio 2017. Ainda assim, sua apresentação no meio da tarde em um espaço de um banco que patrocinava o festival roubou a cena daquele dia que teria Lady Gaga, se ela não tivesse cancelado às vésperas sua passagem por aqui. As notícias da época eram uníssonas: Pabllo tinha ofuscado o line-up oficial. “Foi uma abertura grande um banco trabalhar com uma drag queen. Quebrou um monte de paradigmas”, diverte-se Fátima Pissarra, responsável pela Mynd, empresa que agencia cantores, criadores e influenciadores para projetos publicitários.
Pabllo foi sua primeira cliente e a apresentação, a primeira ação agendada. “Fechamos o contrato com ela em quinze dias e era sabido que, por preconceito, seria um desafio. A marca deixou na nossa mão e foi um estouro.” A partir dali a Mynd ganhou forma e outros clientes, além da música. Atualmente, são 160 artistas sob seu guarda-chuva, como Luísa Sonza, a humorista Gkay, Ludmilla, Luccas Neto e Thammy Miranda.
A empreitada de Fátima com a Mynd começou quando a Vevo, empresa em que trabalhava, decidiu migrar seu departamento para dentro do YouTube e encerrar a parceria com a empresária. Veio o baque. “Ia perder faturamento, reduzir equipe. Fiquei mal”, conta. Mas decidiu manter os funcionários e partir para outro modelo de negócio. Em uma conversa com a cantora Preta Gil veio a ideia de agenciar cantores para publicidade assim como acontece com os atores. A artista entrou junto no desafio.
Segundo ela, músicos e marcas queriam esse diálogo, mas não entendiam como fazer. “Os empresários não sabiam como vender seus cantores ao mercado publicitário, ao mesmo tempo que as empresas não tinham o canal para chegar a eles”, diz. Ela foi a responsável por construir essa ponte e colocar todo mundo à mesa para criar projetos em parceria. “Os artistas se sentem muito bem quando pensam na ação junto, porque eles têm o conhecimento do seu público e querem manter seu DNA”, explica. “Não adianta um diretor de criação inventar uma música, porque dificilmente vai pegar ou engajar os fãs. Esse não é o papel dele, e sim do artista”, explica.
Essa premissa serviu também para outros criadores, como a humorista Gkay, uma das ativas nos palpites das ações. “Dou muito pitaco porque preciso me identificar com o projeto e com o produto. E faço pensando no público que me acompanha”, afirma. Ela conheceu a Mynd por meio de Luísa Sonza, que não parava de contar sobre seus trabalhos. “Sou do Nordeste, estava de mudança para São Paulo, e crescendo. Estava num momento em que as marcas precisavam me conhecer para poder continuar”, lembra Gkay. Em poucas semanas de contrato, ela preencheu a agenda de trabalhos. “Se está a fim, a Fátima enche você de projetos, o que é ótimo.”
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Fátima veio para São Paulo trabalhar na BCP, onde era responsável pela área de ringtones. Por isso, aprendeu sobre direitos autorais e construiu sua rede de conexões com editoras e gravadoras. A experiência com os músicos foi adquirida quando estava com os projetos musicais na Vevo. Em 2012, conseguiu levar o cantor americano Pitbull para uma apresentação no Carnaval em Salvador, com direito a transmissão ao vivo para o mundo. “Nenhum dos diretores acreditava, e, depois disso, fiquei com moral para fazer outras coisas”, conta. A empresária ficou conhecida por ações que poderiam ser consideradas impossíveis, palavra que abomina. “Sou do tipo ‘o não eu já tenho’”, diz.
Levou Gusttavo Lima para comer o sanduíche de mortadela no Mercado Municipal para uma bandeira de cartão de crédito, trouxe Demi Lovato para um show de uma empresa de refrigerante e repetiu o evento, anos mais tarde, com Fifth Harmony. “O grupo tinha um dia na agenda: elas pegaram o avião à noite, chegaram no dia seguinte de manhã, apresentaram-se à tarde e voltaram na mesma noite”, lembra. “Não tem ‘não dá’, tem ‘como fazer’ ”, diz.
Com o empresário de Katy Perry, usou a persuasão. Na ocasião, viu uma proposta de product placement em um videoclipe, quando o artista usa produtos da marca dentro do trabalho em troca de patrocínio. Em vez disso, Fátima sugeriu que colocasse um fã de Katy e usuário do item no clipe. “Seria vantagem para a cantora: usaríamos a imagem dela por um curto período de tempo para fazer a promoção e ela não teria para o resto da vida o objeto estampado no vídeo”, explica. Contrato assinado. “Eles estão abertos para conversar. Ninguém tinha tentado isso antes.”
Com o foco em criar e entender as tendências, no ano passado, Fátima mergulhou no TikTok e nas novidades do Instagram, que caíram muito bem quando tiveram início a pandemia e a quarentena. “Trabalhamos de domingo a domingo”, conta. “Muitas empresas decidiram acelerar o processo de entrar no digital, então não faltou trabalho.”
A expectativa é que o ano feche com 120 milhões de reais de faturamento, o dobro da meta estipulada, batida em agosto. Apesar da inserção das empresas nessas plataformas, Fátima acredita que ainda há um terreno vasto a ser explorado. “Querem estar no TikTok, mas relutam em desconstruir para engajar: funciona cair na brincadeira e não se apegar na história do produto”, afirma. “Fora que ainda há resistência, fruto do preconceito de alguns artistas. Tem de apostar de fato na diversidade.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710