Como pais, alunos e professores lidam com as aulas na quarentena

Veja dicas de como ajudar seu filho neste momento de educação à distância

Por Sérgio Quintella. Colaboraram Guilherme Queiroz e Humberto Abdo
Atualizado em 27 Maio 2024, 18h29 - Publicado em 3 abr 2020, 06h00
Valdenice Minatel, diretora do Colégio Dante Alighieri: proximidade (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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O fechamento das escolas particulares da capital vai entrar na terceira semana com alunos e colégios buscando meios de se adaptar à nova realidade imposta pela quarentena provocada pelo coronavírus. Se nos primeiros dias as dúvidas eram sobre como as instituições apresentariam as lições, os desafios seguintes foram concretizar uma rotina satisfatória das tarefas que os professores passam via plataformas digitais, adquiridas às pressas. As queixas dos pais, que de uma hora para outra começaram a exercer funções antes realizadas pelas escolas, pipocam aos montes em grupos de WhatsApp e caixas de e-mails dos colégios. Vão do excesso de lições à quantidade insatisfatória de exercícios, passando por brigas familiares, pedidos de desconto nas mensalidades e falta de estrutura técnica. “É um processo de tensão em todos os sentidos. Estamos sobrecarregados. A grande maioria tinha um ajudante dentro de casa, seja faxineira ou empregada. À medida que essa pessoa sai de cena, assumimos muitas tarefas, mas vamos tentando dar conta”, afirma a consultora Lidiane Barcelos, mãe de dois filhos (7 e 10 anos), alunos da Escola Pueri Domus, na Zona Oeste. Outros pais, no entanto, são mais radicais. “Desisti das lições on-line para minhas filhas”, diz a advogada Juliana Leite, cujas meninas estudam no Colégio Marista Arquidiocesano.

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A foto de capa faz referência à cartilha caminho Suave, criada pela professora Branca Alves de Lima em 1948 e conhecida pelo método de alfabetização por meio de imagem, com associação entre letras e figuras. Até 1996, quando foi excluída pelo Ministério da Educação do Programa Nacional do Livro Didático, estima-se que mais de 48 milhões de brasileiros tenham aprendido a ler com ela (Reprodução/Reprodução)

Nos últimos dias, a Vejinha conversou com cerca de vinte colégios particulares da metrópole, que, juntos, somam 37 800 alunos. Um dos maiores da cidade, com 4 000 estudantes, o Móbile, localizado em Moema, oferecia ambiente virtual de apoio a parte das turmas desde 2014 e passou a estendê-lo de forma integral a todas as demais.“Seguimos os mesmos horários de antes da quarentena. O menino acorda às 7h30 e sabe que tem aula de geografia na sequência”, diz o professor de física Julio Cesar Ribeiro, coordenador de tecnologia educacional do Móbile. Ali, as videoaulas ao vivo, que ocorriam até a semana passada apenas para os alunos a partir do 6° ano, serão expandidas, em escala menor, às turmas da educação infantil.

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Família Rebello: cozinhando juntos (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Com rotina mais flexível, o Avenues, um dos colégios mais jovens (e caros) da capital, com mensalidades que chegam a 10 000 reais, estabeleceu uma hora para o início das atividades, mas não para o fim. “A gente tem uma reunião on-line com cada turma logo às 8 horas. A partir daí o professor fica disponível para tirar dúvidas em alguns momentos do dia”, afirma Lia Muschellack, diretora de tecnologia da escola americana, instalada no Real Parque desde 2018. Mas nem todos se adaptam. “A gente tem um grupo de 5% dos alunos que apresentam dificuldades. Precisam de muito suporte. Em ambiente flexível, eles mostram ter mais necessidades.”

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Professora Mariceles Catharino, do Visconde de Porto Seguro: música a distância (Divulgação/Divulgação)
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Não são todas as escolas que conseguirão repassar todos os conteúdos de sua grade pela internet. Fundado em 1873 e com 437 alunos, o Liceu de Artes e Ofícios, na Luz, voltado à educação profissional, tem dois desafios para superar. “Uma parte da produção do conteúdo precisa ser feita em laboratório, mas a escola está fechada”, afirma Adenilson Francisco Bezerra, coordenador pedagógico do liceu. “Além disso, muitos alunos não possuem os softwares necessários para acompanhar as aulas remotas. Nesses casos, estamos antecipando a parte teórica e deixando o laboratório para a volta.”

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Colégio Arquidiocesano: aberto ao diálogo (Divulgação/Divulgação)

Mesmo em escolas em que a grade on-line é disponibilizada em tempo integral, há casos em que alunos ficarão sem o conteúdo. No Colégio Visconde de Porto Seguro, 20% dos cerca de 9 000 estudantes são carentes (moradores de Paraisópolis e outras favelas do Morumbi), fazem parte de um projeto social e não terão condições de assistir às aulas como o restante da escola. “Muitos conseguem entrar no nosso sistema pelo celular, mas uma quantidade significativa de alunos não possui os recursos. Nesses casos, nós imprimimos as lições e enviamos para cada um deles”, diz Silmara Casadei, diretora pedagógica do Visconde de Porto Seguro. “Ninguém vai perder lição.”

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Bezerra, coordenador pedagógico do Liceu de Artes e Ofícios: aulas no laboratório no fim da quarentena (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Além da preocupação com alunos e pais, as escolas voltaram a atenção para o principal canal com estudantes, os docentes. “Semana passada tivemos um treinamento e uma de nossas professoras chorou quando viu seus aluninhos pelo computador”, afirma Valdenice Minatel, diretora do Colégio Dante Alighieri. “Há quinze dias a gente falava que a tecnologia separava as pessoas, mas agora ela aproxima. Precisamos ter paciência.”

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Colégio Santa Cruz, no Alto de Pinheiros: mãe virou “malabarista” (Divulgação/Divulgação)

Cerca de 840 000 alunos de colégios particulares da cidade tentam se adaptar à nova rotina, 1,6 milhão de estudantes de escolas públicas (estadual e municipal) estão sem aula desde o dia 23 de março. Para eles, as respectivas esferas decretaram férias até o fim de abril. Até lá, estão em estudo formas de garantir ensino a distância, mas a medida esbarra em diversas questões, de tecnológicas a sociais. “As condições de acesso dos alunos são muito heterogêneas, e muitos nem sequer têm como acessar recursos tecnológicos”, pondera Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais do Todos pela Educação. “No caso da rede pública, em que pese ser fundamental fazer o possível no curto prazo, uma resposta à altura só poderá ser dada com uma robusta estratégia de ação quando as aulas presenciais retornarem.”

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Olavo Nogueira Filho, do Todos pela Educação: estratégia de ação (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Ao passo que muitos pais tentam pular os obstáculos que vão aparecendo e outra parte expressiva da população vive uma realidade totalmente diferente, há quem veja na rotina imposta pela quarentena uma possibilidade de estreitar laços familiares. Pai de duas meninas (1 e 4 anos), o advogado Gustavo Rebello, 36, mudou o escritório para sua casa, na Cidade Jardim. “Estamos convivendo de uma forma diferente, que, se não fosse por essa pandemia, nem nas férias conseguiríamos.” Ao mesmo tempo, a filha mais velha está começando a receber as primeiras lições para fazer em casa. “A escola tem mesclado atividades psicomotoras e de habilidades, com encontros virtuais.”

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Lia Muschellack , diretora de tecnologia do Avenues (Divulgação/Divulgação)
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A nova realidade tecnológica implementada de maneira inesperada pode ser uma oportunidade para mudanças no ensino futuro, a depender de alterações na legislação. Atualmente, a lei prevê que as aulas a distância no período diurno não podem ocupar mais de 20% da grade. “É perfeitamente possível aprender on-line, as ferramentas existem, mas as pessoas têm de estar dispostas a quebrar tabus”, afirma a professora Luciana Allan, doutora pela USP e especializada em tecnologias aplicadas à educação.

© 2018 Ana Mello
Avenues: 5% dos alunos não se adaptaram às rotinas digitais (Ana Mello/Divulgação)

Outra questão é quanto à segurança das informações e da intimidade das crianças nos meios digitais na hora da lição ou da diversão. “Tão importante quanto saber com quem os filhos conversam é saber quais aplicativos acessam informações confidenciais”, aconselha o advogado José Colhado Neto, especializado em direito digital. “Por que um joguinho de minhoquinha gratuito, por exemplo, quer acesso a contatos, câmeras e microfones? Fique atento às permissões e leia os termos de uso.”

Deu certo

“Estou levando as coisas da seguinte forma: faço o que dá certo, não o que é certo. Funcionou deixar meus filhos fazer metade da lição de manhã e metade à tarde? Ótimo, assim vai ficar. No começo, pensamos em estabelecer cronograma, fazer tabela, mas as coisas foram acontecendo e fomos nos acertando. Aqui em casa cada um tem o seu computador, mas todos precisam de ajuda em algum momento do dia. Fazer as coisas com calma, sem pressão, deixa a situação mais natural. Apesar da correria, não posso reclamar, pois nossa vida está dando mais certo do que nas outras casas.”

Andrea Esmanhoto é advogada e mãe de três filhos (8, 12 e 14 anos), que estudam no Colégio Santa Cruz

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Não deu certo

“Desisti das lições on-line para minhas filhas menores. Tenho o meu trabalho, outro filho e três cachorros para cuidar. Se fossem videoaulas, seria menos complicado. Mas o conteúdo foi jogado no site da escola e as crianças têm de procurar as lições, mas muitas vezes as páginas não carregam e caem. Sem falar que não consigo explicar o conteúdo de matemática do 5° ano, que é difícil. Ela (filha do meio) acaba se estressando e nós brigamos. Não é um bom momento para a escola causar brigas nas famílias. Estou contando que as aulas retornem logo.” Procurado, o Colégio Marista Arquidiocesano se disse aberto ao diálogo com todos os pais e a resolver as dificuldades.

Juliana Leite é advogada e mãe de três filhos (5, 10 e 17 anos)

Virei até o tio da cantina

“A cara amarrada do Lucca, 9, dava o recado de que a lição enviada pelo aplicativo recém-adquirido pela escola não era a melhor coisa a ser feita naquela quinta-feira (26) ensolarada de quarentena. Nem nos dias anteriores, quando ele estava na casa da mãe e não tinha feito a tarefa da semana toda. Por volta das 13h30, soa um alarme. ‘Corre que o sinal da escola tocou, filho.’ Eu me adianto a ele e faço uma imitação tosca do seu Zé, o simpático funcionário conhecido no pedaço por saudar com cordialidade os alunos que descem dos carros e entram pelo portão da escola, localizada na Zona Sul. A gargalhada do menino foi o sinal de que eu precisava para falar que as lições, daquele dia em diante, deveriam seguir os horários habituais das aulas, o que foi aceito. Por volta das 16 horas, toca novamente o sinal. Hora do recreio, momento em que o tio da cantina aparece e oferece uma fruta e uma água de coco (o.k., e um amendoim também). Na sequência, como em todo intervalo do 4° ano, a bola rolou no corredor-pátio. O sucesso da escolinha em casa foi tanto que, no dia seguinte, ele contou as horas para o sinal tocar. Nem foi preciso que a diretora entrasse em cena e desse uma bronca geral na turma.”

Para fazer em casa> Dicas da professora Luciana Allan para os pais ajudarem os filhos nesta época de quarentena

> Roteiro e direção Organize uma rotina, dedique tempo e escolha um local para os estudos com os filhos e saiba antes qual é a tarefa para poder ajudá-los.

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> Dúvidas? Recorra aos plantões da escola ou troque ideias com outros pais ou com o próprio professor.

> Pré-aula Conheça com antecedência as ferramentas de videoconferência, como Teams (Microsoft),Hangout (Google) e Zoom.

> Ideias Peça aulas menos expositivas e mais colaborativas, que valorizem a autonomia e o protagonismo dos alunos.

> Depois da primeira vez Após alguns dias, você verá que ensinar é prazeroso e que ajudar seu filho nesse processo é algo muito especial.

> Uma paradinha Estabeleça pequenos intervalos entre uma disciplina e outra, como acontece na escola.

> Novos horizontes Aproveite o tempo em casa e proporcione novos aprendizados (cozinha, materiais de desenho etc.).

> Só para relembrar Quarentena não são férias, ou seja, os filhos devem dormir no horário habitual e manter contato com os colegas de sala.

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Colégio no Morumbi recebe filhos de funcionários do Albert Einstein

O Colégio Miguel de Cervantes, no Morumbi, passou a receber filhos de médicos, enfermeiros e técnicos do Hospital Albert Einstein durante o turno dos pais. Após a demanda dos funcionários da unidade hospitalar e como parte das iniciativas da instituição durante a pandemia, o Einstein fechou parceria com o colégio para desenvolver em suas dependências atividades para crianças que não são alunas de lá. Elas começaram em 25 de março e são para estudantes da rede privada e pública.

Mais de 300 alunos entre 3 e 13 anos foram inscritos para passar o dia no local enquanto os pais trabalham no hospital, a pouco mais de 1 quilômetro do colégio. As crianças menores de 3 anos continuam na creche do Einstein, que conseguiu autorização especial do governo para ficar aberta.

Elas ficam acomodadas em 60 000 metros quadrados, que costuma abrigar mais de 1 500 alunos durante o ano letivo, e são recebidas no período da manhã ou da tarde. Nos primeiros dias, como teste, têm participado cerca de oitenta crianças. “Começamos a operar devagar para poder nos estruturar, mas os próprios pais estão se organizando e a cada dia compareceram mais crianças”, explica Felipe Spinelli de Carvalho, diretor-superintendente de ensino do Einstein.

Elas são higienizadas frequentemente e alunos com sintomas de gripe não podem permanecer no local. “Álcool em gel a todo momento e uma cadeira livre entre cada criança nas refeições”, enfatiza Spinelli, ao falar das medidas de prevenção. As salas são divididas por idade, com no máximo oito crianças, tomando cuidado para que não haja contato entre elas.

A infraestrutura do colégio compreende quadras e parquinhos, espaços usados para brincadeiras ao ar livre. O hospital fornece o material escolar e os brinquedos, além de cinco refeições servidas ao longo do dia. Voluntários recrutados pelo próprio hospital conduzem atividades como leitura, teatro, cantigas de roda e, para os mais velhos, um período para retomar os estudos da própria escola, caso tenham material on-line. Se o projeto ultrapassar 300 alunos, o Visconde de Porto Seguro também se dispôs a participar da iniciativa.

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 8º de abril de 2020, edição nº 2681.

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