Cuidado com a calçada: as reclamações das reformas da gestão Bruno Covas
Demora para conclusão das obras e má qualidade no serviço, como rachaduras e piso tátil irregular, estão entre as principais queixas
Sonho de dez em cada dez prefeitos em ano eleitoral, a transformação da cidade em um grande canteiro de obras tem nome e sobrenome em São Paulo. Iniciado em dezembro do ano passado, o Plano Emergencial de Calçadas prevê a reforma de 1,6 milhão de metros quadrados de passeios públicos e privados (uma área equivalente ao Parque Ibirapuera, um dos maiores da cidade). Os trabalhos, que vão custar 200 milhões de reais e estão previstos para acabar no fim de 2020, já começaram a dar os resultados iniciais e a gerar as primeiras reclamações.
Na Rua da Consolação, nas proximidades do número 1200, no centro, o antigo pavimento foi trocado por um novo, mas há diversas rachaduras que podem comprometer a vida útil do concreto. Ali perto, uma ponta elevada sobre o piso tátil novinho em folha poderia ocasionar a queda de pedestres. “São obras novas e cheias de problemas. A falha no piso tátil é gritante”, avalia a engenheira civil Fabiana Albano, conselheira do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea).
Quem passa pelo local todos os dias também nota os defeitos da passagem. “Fizeram tudo de qualquer jeito, correndo. Imagina um deficiente visual tropeçando no piso que existe justamente para protegê-lo?”, questiona o ajudante Augusto Santos, que trabalha em um edifício do entorno. A falha nas faixas em alto-relevo pintadas de amarelo, verificada na sexta-feira (6), foi consertada três dias depois, após a Vejinha solicitar explicações à prefeitura.
O prazo de execução das obras na Consolação, que terminaria em 11 de março, foi prorrogado por mais dois meses. “Fevereiro foi muito chuvoso, e a água tira a qualidade da aplicação do concreto. O importante é que realizaremos uma inspeção final e não faremos nenhum pagamento caso as rachaduras não sejam consertadas”, garante o secretário de Coordenação das Subprefeituras, Alexandre Modonezi.
A 6 quilômetros dali, na Rua do Hipódromo, na Mooca, a vida do comerciante José Carlos Ribeiro, 60, piorou desde 28 de janeiro deste ano. Nessa data, a calçada que ele havia construído três décadas atrás foi quebrada e até agora o piso novo não foi colocado. O restante do quarteirão, no entanto, já ganhou cobertura nova e a obra segue pelas quadras seguintes. “Já vi duas pessoas caírem aqui na frente, inclusive uma delas, de idade avançada, se machucou feio”, afirma Ribeiro. “A prefeitura deveria isolar a calçada e só começar a quebrá-la quando for colocar o piso novo”, pondera.
Reclamações desse tipo também são feitas pelo empresário Alessandro Padilha, 46, dono de uma loja de peças para motocicletas na Avenida Engenheiro Armando de Arruda Pereira, no Jabaquara. “Perco clientes todos os dias, há dois meses, pois muitos não conseguem subir com as motos mais pesadas na rampinha improvisada que fui obrigado a fazer”, afirma. “Infelizmente não vieram falar comigo e ninguém se preocupa com o meu prejuízo, que só cresce a cada dia.”
De acordo com a prefeitura, a recomendação nesses casos é que a empreiteira responsável pelas obras quebre a calçada somente na hora em que o piso novo será colocado, para não ocasionar prejuízos aos moradores e aos comerciantes. Há casos, porém, em que as concessionárias de água e gás precisam ir ao local para trocar tubulações, o que pode atrasar o cronograma.
Além das queixas quanto à execução das obras, há reclamações em relação à escolha do material usado, o concreto. “A calçada ideal tem de ter dois conceitos: ser acessível e permeável. Fazer acessos especiais é louvável, mas cobrir tudo com cimento representa um grande atraso de vida para a cidade”, diz o vereador Gilberto Natalini (PV). Ele se refere à possibilidade de construir as chamadas calçadas verdes, com faixas de terra ou grama, que se encarregam de absorver parte da água da chuva. “Mas infelizmente é mais fácil e barato cimentar tudo. Não tem cabimento não pensar em permeabilidade nos dias de hoje.”
Outra crítica é quanto à falta de transparência. “A prefeitura não apresentou os projetos. Garantir a segurança do pedestre não é só colocar o cimento por cima da terra. É mudar o desenho das nossas calçadas”, afirma o vereador José Police Neto (PSD). “Existem novos modelos que fazem com que a travessia seja tão segura quanto andar nos passeios.”
A metrópole possui cerca de 34 000 quilômetros lineares de calçadas, que representam 41% dos deslocamentos realizados na capital. Ou seja, quatro em cada dez paulistanos fazem a maioria das viagens a pé. De todos os passeios da cidade, 85% estão sob responsabilidade de particulares. O restante pertence à municipalidade.
Pelo plano de Bruno Covas, visando a colher os louros de uma vitória eleitoral neste ano, a prefeitura se encarrega da reforma e do pagamento dos trabalhos. Essa não foi a primeira vez que um administrador da cidade anuncia um programa ambicioso para as nossas calçadas. Em 2015, o petista Fernando Haddad prometeu reformar calçadas, públicas e privadas, em todas as áreas da capital, porém com uma diferença. Nos espaços particulares, a obra seria feita pela municipalidade, mas a conta recairia sobre os proprietários.
A ideia era notificar e multar os munícipes caso sua calçada estivesse fora dos padrões. O morador teria até sessenta dias para efetuar o reparo e evitar o pagamento da multa de 300 reais por metro linear de piso. A medida não vingou.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 18 de março de 2020, edição nº 2678.