Ainda outro dia, logo depois de mostrarem cenas assustadoras dos estragos causados pelo furacão Irma no Caribe e em Miami, os telejornais exibiam também brasileiros amuados. De malas prontas, aguardavam a ventania enfraquecer para que fossem autorizados a viajar para a Flórida. Era como se os efeitos colaterais de um tufão não lhes dissesse respeito. Desembarcariam em seu destino e, provavelmente, ficariam espantados de ver tudo de ponta-cabeça.
Já cruzei a região de Cancún um ou dois meses depois da passagem de um furacão devastador. Árvores arrancadas, postes e placas derrubados, praias sem areia e o mar sem aquele famoso azul caribenho. Em resumo, uma tristeza. Mas isso, é claro, foi com o Mário. Tem gente crente de que essas coisas nunca acontecem com ela. É a turma do “não é comigo”.
Podem-se encontrar exemplares dessa numerosa espécie nos mais diversos ambientes. São bastante comuns, quase vulgares, nos teatros e cinemas. Surgem tão logo é transmitida a mensagem: “Desliguem seus celulares”. Pedir-lhes que não fotografem o show é, na prática, dar a ordem: “Manda bala nas selfies, pessoal”. Aquela história de que a luz do aparelho incomoda os artistas no palco e seus vizinhos de fileira só pode ser invenção de anarquistas para dominar o planeta.
Se alguém reclama, o cidadão sussurra, em busca de apoio moral: “Minha mãe está internada no hospital, e eu estou pedindo notícias”. Essa, eu ouvi de um sujeito na plateia de um musical sobre Cartola. O filho era ingrato, mas tinha bom gosto musical. Depois, descobri que muitos usam a mesma desculpa, variando no máximo o grau de parentesco: o filho, a avó, o tio querido. Ou se trata de um bando de mentirosos ou rola uma epidemia por aí.
Militantes do “não é comigo” também marcam encontro todo domingo nas ciclovias da Avenida Paulista. Quer dizer, o encontro acontece, mas nunca nas faixas destinadas aos ciclistas e suas bicicletas caretas. Em velocidade considerável, os bikers rebeldes pedalam onde lhes dá na veneta. Pouco importa se você levou seu filhote de poodle anão para caminhar, seu bebê para dar os primeiros passos ou sua avó do interior para conhecer a avenida. O problema é seu ou, como eles dizem, “não é comigo”.
Uma variação é o espírito do “sou mais eu”, que encarna em passageiros de ônibus e metrôs lotados e ocupa assentos preferenciais reservados a idosos, gestantes e portadores de deficiência. Não é preciso água benta ou crucifixo para reconhecê- los. Basta um idoso entrar no coletivo para o folgado cair em sono profundo, do qual só desperta miraculosamente na hora de descer.
Como o Brasil é o único país do mundo onde leis recebem status de plantas — umas pegam, outras não —, os “não-é-comiguistas” têm terreno fértil para virar floresta. Lembra do racionamento de água? Para alguns, não passou de lenda urbana. E toca a lavar calçada, carro, quintal, telhado, parede e o que mais fosse possível. São aparentados daqueles que jogam lixo pela janela do carro e depois surtam porque os bueiros da cidade estão entupidos. O.k., eles estão, mas isso não é comigo.