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Mandacarus do asfalto

Confira a crônica da semana

Por Mário Viana
Atualizado em 14 fev 2020, 16h00 - Publicado em 3 ago 2018, 06h00
 (Attílio/Veja SP)
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Estamos virando cactos. Cercados por estiagens que se prolongam até o interminável, não dormimos direito, respiramos mal e temos a sensação de que um pedreiro reboca nossas narinas o tempo inteiro. A garrafa de água mineral se tornou um apêndice tão obrigatório quanto as roupas, as chaves de casa e o celular, sem o qual ninguém mais vive.

Já vi nas ruas gente andando com garrafas de 2 litros de água. Parece exagero, é claro, mas deve ser o jeito que a pessoa encontrou de molhar o corpo inteiro rapidamente e evitar que ele pipoque feito um Mandiopã gigante. Entretanto, o ar está tão seco que se corre o risco de a água evaporar no trajeto entre a boca da garrafa e a pele.

Não seria absurdo também imaginar mais uma crise na segurança pública. Em vez de roubarem celulares, os malandros agora catam as garrafas plásticas e saem correndo, perseguidos pelos gritos de “Pega! Ele roubou minha água!”. A cena só não é totalmente viável porque até mesmo os ladrões precisam respirar — e o ar não está para grandes maratonas.

Os olhos, do mesmo modo, sofrem muito com essa “desumidade” de níveis abissais. Nesses dias, encontro romântico sem colírio não rola. Se, por tremenda infelicidade, uma das criaturas esquecer de levar o preservativo, o jeito será apelar para a criatividade e bolar formas alternativas de diversão sem risco. Agora, meu anjo, sem colírio não dá. Tenha paciência.

A maior ingestão de água nos leva a outro problema de ordem prática. Vai faltar banheiro para todo mundo. É sério. Os sanitários públicos em São Paulo não vão dar conta do recado. Os shoppings e estações do metrô (as que têm a suprema delicadeza de oferecer o serviço) em breve começarão a cobrar por um xixizinho. É bom estar preparado. A julgar pela avidez com que esse pessoal se atira em nossos bolsos, não vai ser barato, não.

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A secura também vai afetar as prateleiras de soro fisiológico, muito usado para limpar e aliviar as narinas empoeiradas. O líquido, vendido em garrafinhas sem graça, ganhará status de puro malte escocês. Não deve causar espanto se algum publicitário badalado pegar a conta de um desses soros e relançá-lo depois de um ousado reposicionamento da marca. Se deu certo com loja de roupa popular, por que não daria com algo cada vez mais imprescindível?

Dentro de casa, o eletrodoméstico mais valioso não é mais a TV de 90 polegadas, mas o discreto e feinho umidificador de ar. Quer coisa mais legal para ter no quarto do que ele? A miniadega com vinhos cotados em euros acaba indo parar na área de serviço, pois o que todo mundo quer ao alcance da mão é aquela coisinha fumacenta recheada de água.

Dia virá em que sairemos de casa escondidos por trás de um balão de oxigênio e carregando garfo e faca bem afiados, para cortar o ar quase sólido que nos cerca. Parece cenário de filmecatástrofe ou romance de ficção científica. Acontece que a realidade insiste em ser sempre mais ousada em São Paulo. Além da secura saariana, podemos enfrentar, quem sabe, uma crise hídrica. Lembra dela?

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