Não chego a ser “tantas vezes reles”, como se autoproclama Álvaro de Campos/Fernando Pessoa no Poema em Linha Reta, mas tenho minhas incompetências. Nem posso dizer com o poeta, em comparação com meus fracassos, que “todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”, ou que “toda a gente que eu conheço” (…) “nunca foi senão príncipe — todos eles
príncipes — na vida”. Não chegam a tanto. Quanto a mim, jamais consegui fazer certas coisas que contam para o convívio social, coisas que vejo tantos fazerem com facilidade e até alguma graça. Hoje não ligo para essas minhas incompetências, mas houve tempo em que me doíam; não, não, não, exagero, apenas me diminuíam, intimidavam, vá lá, humilhavam. Quando se é jovem e se disputam atenções, essas coisas contam. Vou falar de apenas cinco.
Dançar. Em pista de dança, nunca consegui manter o interesse de uma garota por mais de três minutos, o tempo de uma música. O normal, numa festa, era eu ficar ali no banco de reservas, vendo a bela me escapar em volteios e volutas volutuosas com um pé de valsa. Tentei aprender. Um primo mais velho me levava a uma gafieira em Belo Horizonte, a mesma onde o estudante de medicina Nonô de Diamantina se esmerava antes de vir a ser prefeito, governador e presidente da República, o JK. Não adiantou. Num texto antigo, botei na fala de um personagem: “Eu danço mal, você sabe. Não consegui ultrapassar aquela fronteira larga entre a timidez e a ousadia, entre a discrição e o exibicionismo, que separa o mau e o bom bailarino. Nunca fui muito além daquela fase em que uma amiga compadecida precisava sussurrar ao meu ouvido: Dois pra lá, dois pra cá”. Achei melhor abandonar essa arena de derrotas, renunciar a boates, baladas, bailes e tentar seduções em papos de botecos, aí com alguma vantagem.
Nadar, outro fracasso. Se a gente não começa criancinha, é difícil pegar o jeito. Sem piscina, rio, açude ou mar, onde bater pernas e braços, em zoeira de tentativa e erro? Adulto inepto, mas não medroso, fui quase um afogado no Arpoador, no Leblon, em Cabo Frio, na cachoeira de Iporanga. Quarentão, tentei aulas, no Paineiras, mas como nivelar o corpo, coordenar braços, pernas e cabeça, respirar sem guelras? Só consegui tiros exaustos de 8 metros e parei com águas profundas, aquelas acima de metro e meio.
Bicicleta é igual: ou você a domina quando criança ou será um ciclista inseguro a vida toda. De pequeno, não tive sequer um velocípede, e me consola pensar que isso explica. Minhas filhas tentaram dar um jeito nisso, quando eu já era um senhor de 55 anos, e, lógico, o resultado é ridículo. Pendurei logo a bicicleta, e nunca pedalei senão em campo aberto, sem ter por perto humanos, bichos de quatro patas ou outro engenho sobre rodas. Somam-se outros fracassos nessa arte do equilíbrio: patins, skate e, quer saber?, até patinete.
Cantar, nem em coro. Não emendo duas notas no mesmo tom. A falha se estende à música em geral: não toco, não batuco, não danço. Isso é bom? Não, mas fazer o quê?
A quinta é mais uma leve inveja, não faz falta para o convívio, mas poderia dar brilho a certos momentos: assobiar com perfeição. Nasceu quando vi o Myltainho, desafiado pelo Murilo, na redação do Jornal da Tarde, assobiar a melodia da sinfonia inacabada de Schubert, inteira, sem vacilações ou erro, e em seguida, novamente desafiado, Bachianas Nº 5, de Villa-Lobos, fechando com Jesus Alegria dos Homens, de Bach. Pálido de espanto, como o escutador de estrelas de Olavo Bilac, incluí aquele pequeno recital de sala de redação entre as admirações de minha vida e me acrescentei mais uma frustração.