Com obras paradas, trecho norte do Rodoanel vira parque para moradores de SP
Construção está parada desde 2018. Enquanto não é finalizada, rodovia é local para caminhadas, trilhas de bicicleta e encontros de motoqueiros
No alto de uma ladeira sem saída, rodeada de mata, dezenas de carros estão estacionados ao lado de uma guarita responsável pela segurança do trecho norte do Rodoanel, no Jardim Elisa Maria, região da Brasilândia. Entre o limite dos milhares de casas que se amontoam nos morros e o verde da Serra da Cantareira, a rodovia que nunca foi terminada virou um parque: idosos, crianças e jovens, dezenas de pessoas correm, andam de bicicleta e passeiam com cachorros.
“Na pandemia as academias fecharam e todo mundo daqui começou a migrar para o Rodoanel”, conta a cabeleireira Leila Amancio, 46. Ao menos três vezes por semana, ela, por vezes acompanhada do esposo, caminha pelo trecho que passa pela Brasilândia. “Eu venho aqui de manhã e já começo o dia bem”, diz o marido, o gesseiro Edson Amancio, 49. Não é só naquele pedaço que o asfalto é gasto pela borracha dos sapatos, em vez da dos pneus.
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Com 44 quilômetros de extensão, cortando bairros da Zona Norte paulistana e as cidades de Guarulhos e Arujá, as obras do trecho norte do Rodoanel começaram em 2013 e foram paralisadas em dezembro de 2018, quando o governo paulista rompeu os contratos com as empresas responsáveis pela construção, após gastos de mais de 6 bilhões de reais e sucessivos atrasos. Cerca de 85% desse trajeto está concluído, e são eles que são usados como área de lazer.
No caso das faixas que passam próximas ao Horto Florestal, por exemplo, o atendente de loja Vinicius Simas, 27, faz caminhadas e encontra os amigos. “Eu pratico corrida e aqui é mais perto do que o Parque Horto Florestal para mim. Tem muita gente que empina pipa lá também”, conta o rapaz. “Lá parece o Parque Ibirapuera, de tanta gente”, exagera o motoboy André Tavares, 39, que costuma completar 30 quilômetros de corrida usando a rodovia inacabada, quando resolve ir de sua casa na região do Tremembé até o Rodoanel.
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Quem também percorre uma distância parecida é o ator Luis Gilberto Araújo, 51, mas em cima das duas rodas da bicicleta, começando pela parte de Guarulhos. “Eu moro a 750 metros do Rodoanel”, conta ele, que vive no Jardim Paraíso. “Costumo pedalar daqui até o Horto Florestal, são mais ou menos 34 quilômetros, que faço em três horas.” É costume entre os frequentadores, inclusive, caminhar por alguns dos sete túneis que atravessam as montanhas no traçado da estrada. Não há iluminação ali dentro, e em alguns casos o breu é bem longo. “Eu tentei atravessar um dos túneis, que tem 4 quilômetros de um lado ao outro, a pé. Mas a luz do capacete começou a falhar e voltei. Em cada trecho tem seguranças, mas eles não falam nada, deixam acessar”, explica Araújo.
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E deixam acessar não só os que fazem exercícios. Durante os fins de semana, principalmente, é comum a rodovia se encher de motoqueiros que realizam manobras arriscadas a toda velocidade pelo asfalto virgem. “Um dia aqui eu contei mais de 500 motoqueiros”, afirma Luis. O mesmo é relatado na parte que passa pela Brasilândia, e não faltam fotos nas redes sociais desse tipo de encontro.
Procurado, o governo de São Paulo se limitou a dizer que a “equipe de seguranças é mantida no local para preservar os materiais dos canteiros”. Ainda, segundo a gestão João Doria (PSDB), um novo edital de concessão do trecho norte foi publicado em 28 de janeiro. O leilão ocorrerá em 27 de abril “com as obras reiniciadas ainda este ano”. Mais 3 bilhões de reais serão necessários para a “conclusão das obras e a operação de todo o trecho”, diz o governo. “O Rodoanel terá 177 quilômetros de extensão e fará a ordenação do trânsito de passagem pela região metropolitana, diminuindo congestionamentos e liberando a malha viária interna para o trânsito local”, afirma o estado.
Leila, uma das assíduas frequentadoras, reconhece que o parque improvisado é benéfico aos moradores da Brasilândia, com escassas opções de lazer na região. Mas não torce contra as obras. “Vemos que é o abandono de um investimento alto de dinheiro público, que ainda não deu em nada.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 23 de março de 2022, edição nº 2781