É do Peru
Recém-descobertos, grãos raros e de alta qualidade elevam o status do cacau à mais nova iguaria da badalada culinária do país andino
Desde janeiro, a empresária Giovanna Maggiolo fecha as portas da sua butique de bombons, a Xocolatl, no bairro de Miraflores, em Lima, apenas para turmas de dez pessoas degustarem chocolates. Assim como no universo dos vinhos, os clientes identificam notas ácidas e características como umidade e adstringência de variedades cultivadas em seis regiões do Peru. A 300 metros dali, a alemã Astrid Gutsche capricha nas sobremesas que arrematam os pratos do marido, o chef Gastón Acurio, do refinado Astrid & Gastón (35º melhor restaurante do mundo, de acordo com a revista inglesa Restaurant). O destaque é a receita que tem tapioca de coco embalada por caramelo, servida com sorvete de queijo de cabra e calda de cacau peruano. Em Surquillo, bairro vizinho, a chocolateria Shattell se especializou em produtos de origem. “Todos são identificados pelo nome da cidade de onde vieram”, conta a chef Lisi Montoya.
Giovanna, Astrid e Lisi são exemplos recentes da importância que o chocolate peruano — a exemplo de sua badalada gastronomia — ganhou no radar de paladares exigentes. Em 2009, os mestres do ramo o elegeram “o mais aromático do mundo” no Salon du Chocolat, em Paris. As amostras que adoçaram os experts vieram de uma cooperativa nos Andes, na Província de San Martín. O lugar era conhecido por ser dominado pelos terroristas do Sendero Luminoso. Agricultores se dedicavam ao plantio de coca — o Peru é o segundo produtor mundial da folha, atrás da Colômbia. Hoje, a região é pioneira na substituição da coca pelo cacau, num movimento que envolve o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e institutos de pesquisas locais. O objetivo é associar o país aos chocolates finos da mesma forma que a Colômbia virou sinônimo de café de qualidade. Hoje, o Peru responde por 20% do cacau empregado na produção mundial de chocolate. Está entre os dez maiores fornecedores. As exportações cresceram 400% na última década.
Há três anos, pesquisadores do USDA encontraram na região de Cajamarca, no norte do Peru, o que os chocolatiers suíços rotulam de “o Rolex do cacau”. Batizada de Fortunato nº4, sobrenome do dono das terras onde as árvores selvagens foram descobertas, o fruto tem o DNA semelhante ao de uma espécie dada por desaparecida há um século. O apelo desse Rolex raro está na composição dos grãos de cada fruto: cerca de 40% deles são brancos. Ao contrário dos roxos, mais comuns, eles são naturalmente doces e portanto dispensam a adição de baunilha na fabricação da pasta, um truque para apaziguar o amargor final da degustação. Desde então, os cientistas passaram a catalogar as variedades existentes. Com a ajuda do Instituto Peruano de Cultivos Tropicais, eles chegaram à marca de 342 espécies de cacau selvagem. Nem todas, evidentemente, resultarão na produção das melhores barras e bombons do mundo. A pesquisa pode, no entanto, permitir a criação de uma denominação de origem controlada, valorizando ainda mais o produto peruano.