Casa Quarentener: uso misto para prédios comerciais depois do isolamento
Com mais gente em home office, edifícios de escritórios devem perder relevância e, no projeto do Hiperstudio, ganham pavimentos para moradia
Os edifícios de escritórios, símbolos da metrópole do século XX, se apresentam como uma herança quase obsoleta diante da voracidade de um inimigo oculto que nos obriga a buscar refúgio em nossa casa. Os distritos financeiros, os grandes centros comerciais com seus arranha-céus de vidro, estão pálidos, irreconhecíveis sem o único elemento que lhes dá significado: as pessoas. Mesmo após a retomada das atividades e de uma certa estabilidade, possivelmente nossas relações de trabalho sofrerão mudanças profundas que impactarão na demanda por espaços de escritórios. Com mais gente trabalhando remotamente, há uma tendência de que os edifícios comerciais percam uma parcela de sua relevância, fazendo com que algumas empresas reduzam a necessidade de área para acomodar os funcionários.
Diante disso, qual será o futuro dos edifícios de escritórios nos centros urbanos? Nossa proposta conceitual procura imaginar novas tipologias e como podemos repensar nossas cidades no mundo pós-pandemia transformando radicalmente os edifícios comerciais convencionais. A ideia é intensificar o uso misto, promovendo uma simbiose direta entre a habitação e o escritório. Utilizamos como exemplo o edifício onde mantemos o nosso escritório na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, reconhecido eixo de serviços e sedes de empresas da capital, com predominância de prédios comerciais. Mesmo antes da epidemia, a monofunção já era considerada um conceito obsoleto para as cidades contemporâneas por não promover a flexibilidade de usos e atividades ao longo de todo o período diário em uma mesma vizinhança. Durante o dia a avenida é testemunha da congestão urbana, porém à noite e nos fins de semana sofre com o esvaziamento e a falta de dinamismo.
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Na tentativa de dar novo significado a esses espaços, seriam mantidos alguns pavimentos de escritórios intercalados entre novos andares residenciais. A partir disso, criamos um sistema de encaixe de diferentes tipos de apartamento que se conectam verticalmente a pelo menos um módulo de escritório. Alguns vazios resultantes dessa operação seriam saudáveis para configurar pequenas áreas de convívio e descompressão sem risco de aglomerações. Os moradores garantem, assim, um local de trabalho adequado, livre das interferências domésticas mas com ligação direta ao lar. Em contrapartida, os escritórios podem permanecer funcionando com acesso independente em seus pavimentos exclusivos, mantendo uma atmosfera adequada às relações profissionais com eventuais clientes e pequenas equipes externas. Desse modo, atingimos o nível de proximidade ideal entre casa e trabalho.
Na cobertura desses edifícios seria essencial a criação de uma área verde de convivência e lazer para suprir nossa necessidade de contato com o ambiente externo, um ativo precioso e raro para todos que sentiram a artificialidade do espaço compartimentado dos apartamentos atuais durante o isolamento. Esse novo conceito de uso misto poderia ser uma alternativa para gerar mais dinamismo em outras regiões com predominância de edifícios comerciais, como o Centro e a Avenida Paulista. A inserção da tipologia habitacional diretamente conectada com unidades de escritório garantiria uma cidade mais compacta e densa, o que diminuiria os deslocamentos e o esvaziamento dessas áreas após o horário comercial.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 17 de junho de 2020, edição nº 2691.