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Falta de patrocínio, pandemia, doenças e incertezas levam atletas olímpicos a viver rotinas extras de ansiedade

Com ou sem vaga já assegurada, competidores de diferentes modalidades contam suas agruras e aflições, mas sempre com esperança

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 jul 2021, 23h59 - Publicado em 28 Maio 2021, 06h00

A menos de dois meses para o início dos Jogos Olímpicos de Tóquio e ainda sob ameaça de nova suspensão das competições (já houve adiamento no ano passado) devido ao agravamento da pandemia no país asiático, os atletas olímpicos e paralímpicos sem vaga assegurada, que treinam na capital e no interior de São Paulo, lutam, nadam, pulam, correm, saltam, arremessam e jogam suas últimas fichas para conseguir o tão sonhado índice para a Olimpíada.

Entre os mais de 230 atletas (o Comitê Olímpico do Brasil estima entre 250 e 300 classificados) que já garantiram lugar na delegação brasileira e vão participar da abertura do evento no Estádio Olímpico de Tóquio, em 23 de julho, a ansiedade é menor, mas os desafios não. Enquanto treinam arduamente, muitos esportistas, com e sem índices, fazem contas, promovem rifas e vaquinhas e trabalham em bicos para obter meios de financiar a principal empreitada da vida deles. Quando as receitas secam por falta de patrocínio, sobram poucas alternativas.

“Em vez de treinar em dois períodos e descansar no terceiro para me recuperar para o dia seguinte, eu faço todos os treinos pela manhã; à tarde e à noite eu trabalho como motorista de aplicativo”, diz o atleta do decatlon Jefferson de Carvalho Santos, 25, que treina em uma pista pública em São Bernardo do Campo. Em março do ano passado, durante a primeira onda da pandemia, sem local para se preparar devido ao fechamento dos clubes e parques, Santos chegou a praticar o esporte em um gramado às margens da Rodovia dos Imigrantes, em Diadema, onde mora.

A imagem mostra Jefferson, com seus equipamentos do decatlon, sentado no porta-malas do carro
Jefferson no porta-malas de seu carro: motorista de aplicativo (Alexandre Battibugli/Veja SP)

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Hoje, as corridas (ao volante) lhe rendem pouco mais de 100 reais limpos por dia, dinheiro suficiente para pagar o aluguel, o financiamento do carro e as despesas da casa. Sobra pouco para investir em equipamentos novos das dez modalidades que precisa exercitar diariamente.

O orçamento ficou apertado depois de perder seu último patrocínio, do Esporte Clube Pinheiros, que lhe rendia até janeiro deste ano cerca de 1 000 reais por mês. A Bolsa Atleta, paga pelo governo federal, atrasou em 2021 e ainda não foi paga. Os valores variam de 925 reais (atletas nacionais) a 1 850 reais (internacionais). Para os atletas olímpicos, o valor sobe para 3 100 reais.

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“Treino pela manhã, depois trabalho como motorista de aplicativo.”

Jefferson de Carvalho Santos

“Se eu tivesse algum tipo de ajuda nesta reta final de preparação, poderia me dedicar exclusivamente para a obtenção da vaga olímpica”, diz o esportista, que terá no Troféu Brasil de Atletismo, entre 10 e 13 de junho, a chance de conseguir fazer os pontos que poderão levá-lo a Tóquio.

925

reais é o valor da Bolsa Atleta para quem atua no Brasil

O fardo também é pesado para a atleta de arremesso de martelo Mariana Marcelino, 28. Nascida em Santa Catarina e atualmente morando em São Caetano do Sul, ela é 31ª no ranking mundial, de um total de 32, posto que lhe garante até agora uma vaga em Tóquio.

O problema é que a pandemia adiou diversas competições nacionais e regionais, o que não ocorreu na Europa e nos Estados Unidos. O Sul-Americano de Atletismo, que seria realizado no meio de maio na Argentina, foi remarcado para o fim do mês em Guayaquil, no Equador. Depois do término do Troféu Brasil, marcado originalmente para dezembro passado, serão duas semanas até o fim da janela de campeonatos Europa afora, que contam pontos para o índice olímpico.

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“Se eu conseguisse fazer mais duas ou três competições na Europa depois do Troféu Brasil, seria importante”, diz Marcelino, que precisa juntar 20 000 reais para custear a viagem. Para isso, a atleta, formada em educação física, dá aulas como personal trainer e começou a vender rifas de uniformes antigos da seleção brasileira. Cada número custa 10 reais.

A imagem mostra Mariana, com uniforme da seleção, com o peso esticado para a frente, enquanto olha para a câmera.
Mariana, arremessando peso em São Caetano do Sul: quase lá (Alexandre Battibugli/Veja SP)

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Enquanto muitos atletas buscam os últimos caminhos que levam a Tóquio, outros não têm mais que fazer a não ser esperar. Com apenas 16 anos, Stephanie Balduccini, nadadora do Clube Paineiras do Morumby, é um misto de ansiedade e felicidade.

No mês passado, a jovem esportista, que divide as braçadas com estudos em período integral no St. Paul’s School, em Santo Amaro, fez o terceiro melhor tempo na seletiva aquática, realizada no Parque Aquático Maria Lenk, no Rio de Janeiro. O posto lhe rendeu uma participação no grupo de revezamento 4 por 100 metros, que nadou junto e fez o tempo final.

Agora é preciso esperar o fechamento da janela de seletivas pelo mundo, no início de junho, para saber se a vaga ficará com o Brasil. “Na seletiva era todo mundo mais velho do que eu. Estava um clima difícil, uma situação desconfortável, ninguém me olhava nos olhos nem me levava muito a sério. Fiquei com a minha mãe, que é meu porto seguro”, conta a menina de cabelos ruivos que nada desde os 6 meses de vida ao lado do pai, Bruno.

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As competições começaram aos 7 anos. A uma semana de saber como será sua vida profissional daqui em diante, Stephanie diz estar preparada para duas situações, principalmente se a vaga escapar. “Vai ser difícil saber que eu não vou a Tóquio, mas servirá como motivação. Sou nova, vou continuar nadando e haverá outras competições para disputar.”

A imagem mostra Stephanie boiando em uma piscina. A câmera a vê de cima, e ela está sorrindo para a foto com todo o corpo submergido com exceção do rosto.
Stephanie, no Clube Paineiras: a primeira competição foi aos 7 anos (Alexandre Battibugli/Veja SP)

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O apoio da família Balduccini para o sucesso de Stephanie é similar ao obtido por Allan Wolski, 31, atleta da Marinha e do Esporte Clube Pinheiros, para o prosseguimento da carreira de levantador de martelo. Pouco difundido no Brasil, o esporte levou o jovem, nascido no Jardim Peri, Zona Norte, e morador de Diadema, a passar longas temporadas na Eslovênia.

Casado e pai de uma menina de 8 anos, deixou várias vezes no Brasil as mulheres de sua vida. “A minha esposa que segurou a barra em casa. Lá no fundo tem uma expectativa que vou arrecadar algo que vai beneficiá-las. Essa era a minha estratégia. Até hoje é a mesma coisa: se eu precisar viajar, minha esposa me apoia demais”, diz o arremessador, que está de malas prontas para Guayaquil, no Equador.

Questionado sobre como escolheu um esporte pouco conhecido, explica que o martelo lhe foi mostrado por um professor de educação física nos tempos de escola. “Ele viu minha força e me levou para conhecer o atletismo. Primeiro me apresentou o arremesso de peso, mas, quando comecei a treinar com martelo, não parei mais. Foi força da atração. Não é a gente que escolhe o esporte, é ele que nos escolhe.”

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A imagem mostra o Allan em um campo de treinamento de arremesso de martelo. Ele está uniformizado e girando o martelo em um dia ensolarado.
Allan, do arremesso de martelo: início improvável e temporadas na Eslovênia (Alexandre Battibugli/Veja SP)

A escolha da natação foi fundamental para uma melhor qualidade de vida para a então jovem Edênia Garcia, 34, nascida em Crato, no Ceará, com a doença de CharcotMarie-Tooth, também conhecida como atrofia fibular muscular, uma moléstia progressiva que lhe trouxe dificuldades de movimento nas pernas e nos braços. Das braçadas amadoras para o esporte de alto rendimento foram poucos anos.

Sua primeira medalha veio na Paralimpíada de Atenas, em 2004. Atualmente treinando no Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, na Zona Sul, e classificada para os Jogos Paralímpicos que começam em 24 de agosto, ela precisa correr contra o tempo para perder todo o peso que ganhou durante a pandemia, após ficar de março a agosto do ano passado sem treinar.

“Minha deficiência mexe com as quatro articulações, por isso não consigo andar. Sem poder cair na água, engordei 8 quilos e até agora não consegui me recuperar”, diz Garcia. “Meu pé ficou como uma colher de pau, pois passei muito tempo sentada. É um impacto muito grande. Hoje estamos correndo atrás para melhorar a força de mão, no tronco. Quando eu voltei, achei que estava mais deficiente do que antes. Que situação.”

A fotografia mostra Edênia, de cadeira de rodas, em frente à uma piscina de natação. Ela está com a camisa amarela escrito Brasil e sorrindo para a foto.
Edênia, da natação: fora da água, ganhou 8 quilos (Ale Cabral/CPB/Divulgação)

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Enquanto uns trabalham para melhorar a forma, outros precisam se resguardar até o início dos Jogos. Estreante na competição, assim como a categoria, o skatista paulista (nasceu em Lorena) Luiz Francisco, 20, o Luizinho, tem duas preocupações: não se machucar nem contrair Covid.

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“Apesar de estar vacinado (todos os atletas do COB vão receber o imunizante), a vacina só nos livra do hospital. Se eu testar positivo nas vésperas da viagem, não poderei embarcar.” Sobre as lesões, não quer repetir cirurgias recentes. “Desloquei o ombro em 2017 e demorei para operar. No ano passado fui operado e fiquei seis meses parado. Foi uma tortura.”

A imagem mostra Luizinho fazendo uma manobra de skate em uma pista rodeada de espectadores durante um dia ensolarado.
Luizinho: risco de queda e medo da Covid (Divulgação/Divulgação)

Se por um lado uns buscam meios e caminhos para obter a tão sonhada vaga olímpica ou se manter em forma até lá, há quem quebre a cabeça para cortar nomes que ficarão de fora da lista. Treinador da Seleção Brasileira de Handebol, o ex-jogador Marcus Ricardo de Oliveira, o Tatá, 41, escolheu 21 atletas que farão pré-temporada em Portugal, mas só quinze embarcarão para Tóquio.

“É para aumentar a competitividade. Se eu já convocar os quinze, ninguém vai querer se lesionar e o rendimento vai lá para baixo”, justifica. “Não será fácil, já estou me preparando emocionalmente. Daremos as mesmas condições de treinamento a todos e não cometerei injustiças.”

O esporte nem sempre é justo.

A imagem mostra Tatá, com um notebook no seu colo, sentado em um banco de madeira à beira de uma quadra. Ele está com expressão serena e o uniforme da comissão técnica brasileira.
Tatá, do handebol: da lista de 21 nomes ficarão quinze (Alexandre Battibugli/Veja SP)

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800 vezes dez

Felipe Vinícius dos Santos, 26, do decatlo, passou raspando da obtenção da vaga para o Rio de Janeiro, em 2016. Agora, treinando no Centro Nacional de Desenvolvimento do Atletismo, em Bragança Paulista, o paulistano obteve índice para disputar os Jogos de Tóquio. Só falta conseguir comprar as dez novas sapatilhas próprias para cada um dos dez esportes. Os modelos custam cerca de 800 reais o par. “Pensei em fazer uma vaquinha, mas hoje estou propenso a pagar no cartão de crédito.” Atleta da Associação Atletismo de Blumenau, ganha 2 700 reais por mês da entidade, além de 2 000 reais da federação de atletismo.

A imagem mostra Felipe pulando obstáculos na psita de corrida. Acima, há uma foto de suas sapatilhas já desgastadas.
Felipe, na corrida com obstáculos, e suas sapatilhas desgastadas: 800 reais cada par (Alexandre Battibugli/Veja SP)

 

O coração o fez voltar ao Brasil

Nascido em Cuiabá (MT), o nadador Felipe Lima, 36, morou de 2009 a 2019 nos Estados Unidos. Há dois anos, resolveu se mudar para o Brasil por causa da esposa, Flávia Lima, que é funcionária pública e não poderia ir morar em outro país. Desde então treina no Esporte Clube Pinheiros e conseguiu a vaga para os Jogos de Tóquio em abril passado. A felicidade veio cinco anos depois de uma grande frustração. Nas seletivas para o Rio-2016, perdeu a vaga por poucos milésimos de segundos. “Pensei em desistir, mas coloquei aquilo como um deslize. Fui procurar motivação e passei a disputar campeonatos mundiais, por conta própria, que começaram uma semana depois da Olimpíada do Rio.”

A imagem mostra Felipe sentado na beira da base de um trampolim, olhando com um sorriso tímido para a câmera
Redenção: fora da Rio-2016, Felipe irá disputar os Jogos de Tóquio (Alexandre Battibugli/Veja SP)

 

Sonho de ser mãe

Marivana Oliveira, 31, paratleta do arremesso de peso, afirma ter 99,99% de chance de conseguir o índice que a levará a Tóquio. Medalhista de bronze nos Jogos do Rio há cinco anos, conta que está com uma tendinite no pé, mas promete se recuperar a tempo de disputar as três competições que lhe assegurarão a vaga. Seu marido, Carlos André, é seu amuleto da sorte, diz. “Ele me ajuda no dia a dia e me leva para todos os lugares.” Do dinheiro que conseguiu em premiações ao longo da carreira, juntamente com uma bolsa de 15 000 reais mensais voltada a medalhistas olímpicos, comprou cinco pequenos apartamentos no Rio de Janeiro e dois em Maceió. Fora a casa da mãe, em Alagoas. “Foi a primeira coisa que eu fiz. Ela merece. Meu próximo objetivo é ser mãe, mas isso ficará para depois dos Jogos de Paris, em 2024.”

A imagem mostra Marivana arremessando um peso durante uma competição
Marivana Oliveira: mãe só depois de 2024 (Daniel Zappe/CPB/MPIX/Divulgação)

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Publicado em VEJA São Paulo de 02 de junho de 2021, edição nº 2740

 

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