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Gatos arranham reinado canino e ganham serviços, eventos e produtos em SP

Número de felinos cresce mais rapidamente do que o de cães; bichanos já são 1,25 milhão nos lares paulistanos

Por Carolina Giovanelli
Atualizado em 3 dez 2019, 18h24 - Publicado em 22 nov 2019, 06h00

É tarefa difícil competir com os cachorros. Sua animação e dedicação aos donos, salvo exceções, conseguem derreter corações e dominar a escolha de quem pretende ter um animal de estimação em casa. A cultura canina, porém, pode estar ameaçada por um novo rei da selva paulistana: o gato, do alto de sua independência e elegância. “O que os motiva não é fazer o tutor feliz. Eles possuem qualidades próprias”, explicou o adestrador americano Jackson Galaxy, apelidado de “encantador de felinos”, em sua passagem por São Paulo em agosto. A capital se mostra terreno fértil para a escalada do pet e está alinhada com uma tendência mundial — países como Estados Unidos e Rússia apresentam predominância dos bigodudos.

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“Contribuem para esse cenário fatores como a verticalização da cidade, o envelhecimento da população, as residências cada vez menores e mais casais sem filhos”, afirma Martina Campos, diretora executiva do Instituto Pet Brasil, focado em fortalecer os negócios da área. Segundo a entidade, de 2013 para 2018, o número de gatos domésticos no país saltou 8,1%, enquanto o de cães subiu 3,8%. O movimento de aumento superior ao dos cachorros vem sendo notado há mais de uma década. Ainda não há previsão para uma virada, mas trata-se de uma possibilidade real para o futuro. No Brasil, há 54,2 milhões de cães e 23,9 milhões de gatos. Desses, estima-se que 1,25 milhão estejam na capital paulista.

Agnes e Petri, da CatMyPet: faturamento mensal de 200 000 reais (Mônica Mesquita/Divulgação)

De olho na demanda (e no lucro), o mercado não perde oportunidades e investe no setor. Muitos donos deixaram de “quebrar galhos” com produtos que não sejam pensados para os gatos. “Quando começamos nosso negócio, em 2015, não se encontravam muitas marcas especializadas. Na visão das pet shops, era algo de nicho”, lembra Diogo Petri, sócio do e-commerce CatMyPet junto da mulher, Agnes Cristina — “pais” de sete peludos. “Agora, disputamos com vários concorrentes.” Ele ostenta um faturamento de, em média, 200 000 reais mensais, e seus trinta artigos, como bebedouros e xampu a seco, estão à venda em mais de 1 000 pontos pelo país. Em 2020, pretende entrar no mercado americano e triplicar seus números.

Susan, da Adote um Gatinho: até 100 doações por mês (Arquivo Pessoal / Reprodução/Veja SP)

A administradora Amanda Nori e a publicitária Stéfany Guimarães também andam lucrando com uma loja on-line de artigos temáticos, como objetos para casa, fantasias para os bigodudos e pins. Elas sabem explorar um campo em que a fofura felina é altamente bem-vinda: as redes sociais. A dupla é responsável pela página Cansei de Ser Gato, com mais de 1,6 milhão de seguidores no Instagram e no Facebook. As estrelas da conta, a maior do tipo por aqui, são o vira-lata Chico e seus três “irmãos”. Eles conquistam fãs ao vestir roupas graciosas e posar em cenários diferentes.

A marca gerou dois livros, um podcast e um e-commerce, que dobra o faturamento anualmente — até agora, em 2019, contabilizou 1 milhão de reais em vendas, também em feiras. Em 2020, deve entrar no ar uma série musical infantil animada. “Hoje, as pessoas se orgulham de dizer que são ‘as loucas dos gatos’”, constata Amanda, falando sobre a fama de quem adota muitos pets. A empresa reforça uma ideia em ascensão, de que adotar bichanos é cool. Entre as estampas da lojinha, por exemplo, encontram-se frases como “gente legal tem gato”.

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Horta, sócio do 4cats, no Pacaembu: o primeiro hospital veterinário só para felinos da cidade (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Assim como produtos, surgem serviços voltados só para esses animais. Um ano e meio atrás, a capital ganhou seu primeiro hospital 24 horas especializado, batizado de 4cats, no Pacaembu. O endereço tem profissionais treinados para lidar com esses animais, ambientes sem cores nem cheiros fortes e espaços com feromônios que acalmam os pacientes. “Há um mito de que eles não ficam doentes, se viram, mas essa percepção está mudando”, diz Pedro Horta, sócio do 4cats. Em sua época de faculdade, o veterinário, na profissão há mais de duas décadas, reclamava de aulas inteiras sobre cães e com uma “migalha” a respeito de gatos no final. “Existe agora mais amparo, com cursos para formar profissionais focados nesse assunto.”

O atendimento no local, que pode abrir uma segunda unidade em 2021, tem preço salgado. As consultas partem de 360 reais. São Paulo conta com outras clínicas veterinárias dedicadas apenas aos felinos, porém mesmo algumas que não seguem o esquema vêm criando entradas e salas separadas para atender bem esse público.

Pedroso, no Cemitério Quarta Parada: ele captura gatos com armadilhas e redes para castrá-los (Leo Martins/Veja SP)

Serviços antes muito voltados a donos de cães também caíram nas graças dos gateiros. É o caso dos adestradores. Na Cão Cidadão, uma das principais empresas do ramo, os cachorros dominam, mas têm vez consultas comportamentais felinas. Vale dizer que os bichanos, por mais independentes que sejam, igualmente demandam carinho e brincadeiras, sobretudo aquelas que envolvem simulações de caça. “Alguns ajustes no ambiente fazem grande diferença, entre eles colocar apoios em lugares altos para eles descansarem ou pularem, possuir mais caixas de areia que o número de pets, espalhar arranhadores pela residência…”, explica Daniel Svevo, diretor da Cão Cidadão.

Outra atividade que tem se disseminado nesse universo é a fotografia. Silvia Pratta virou craque em registrar os felinos. Ela dribla arroubos de temperamento com ambientes calmos, brinquedos e petiscos. Um ensaio com Silvia de no mínimo doze imagens custa 150 reais por clique, além da taxa de deslocamento.

A Casa do Gato, na Bela Vista: evento disputado (Divulgação/Divulgação)

O comportamento mais estressado fora de casa não costuma permitir que os tutores levem seus felinos para circular por aí. Isso não impede que pipoquem iniciativas na capital para atrair os donos, mesmo sem a companhia deles. Em setembro, por exemplo, rolou a primeira edição da Casa do Gato. Organizado pela companhia de ração Royal Canin, o evento trazia uma proposta inusitada. Em um casarão na Bela Vista, a ideia era que os interessados pudessem perceber o mundo pelo ponto de vista dos peludos com base em experiências sensoriais. Incluíam-se aí óculos de realidade virtual, arranhador gigante para que os donos o explorassem com luvas, um “jardim zen” com diversos tipos de areia… Os cinco dias do projeto lotaram, com direito a fila de dobrar o quarteirão e saldo de 3 500 visitantes.

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Na mesma onda de passeio, em Sorocaba, no interior, surge o primeiro cat café do estado, o Café com Gato. Trata-se de um modelo similar ao visto no Japão. Aqui, porém, não dá para mexer nos felinos, que ficam em uma espécie de aquário, enquanto se petisca ou se beberica um expresso.

Evento de exposição de animais de raça na Avenida Paulista: sucesso de público (André Hanni/Premmier/Divulgação)

A principal atração nessa seara, entretanto, parte da PremieRpet. A empresa nacional de alimentos acertou ao entrar na organização de eventos de exposição e competição de centenas de gatos de raça. A atração ocorre quatro vezes por ano na Avenida Paulista e recebe cerca de 2 500 interessados em conhecer novas raças de bichanos e ter contato com eles. Muito além dos persas e siameses, aparecem por lá o sem pelos sphynx, o gigante maine coon, o tigrado bengal…

Também está por trás da iniciativa o Clube Brasileiro do Gato, em atividade desde 1972, que reúne 450 criadores. “Antes, muitos achavam os gatos todos iguais, mas estamos mostrando que, assim como os cães, eles têm aparência e comportamento diferenciados. Hoje, contamos com cerca de vinte raças disponíveis no país”, calcula Gerson Alves, presidente da entidade há uma década e criador do sociável burmês, que chega a custar 5 000 reais.

Felinos clicados por Silvia Pratta: fotógrafa especializada (Silvia Pratta/Divulgação)

Para as pessoas que torcem o nariz para a comercialização de animais, a PremieRpet lançou ainda uma mega-feira periódica de doação, também na Avenida Paulista, com até sessenta pets disponíveis. Aquelas que estão em busca de um novo membro da família contam com diversas entidades especializadas na metrópole, a principal delas, a Adote um Gatinho, referência na área e com dezessete anos de história. A instituição doa de oitenta a 100 felinos por mês, com base em um processo bastante criterioso. É fundamental, entre outras exigências, possuir apartamento com todas as janelas teladas ou casa sem acesso do bigodudo à rua. “Percebemos que atualmente existe menos preconceito. Não sentimos tanta dificuldade para doar gatos pretos, por exemplo. A nova geração tem a cabeça mais aberta”, comemora Susan Yamamoto, uma das fundadoras do grupo e dona também de um hotelzinho felino. Aproximadamente um ano atrás, a associação se mudou para um espaço com capacidade para 200 bichos, o dobro de antes, para dar conta da demanda.

Ainda na seara da proteção animal, o trabalho de Eduardo Pedroso traz como objetivo controlar o número de felinos abandonados. Ele captura os bichanos sem dono, os leva para uma clínica veterinária, castra, vacina, faz uma marca na orelha deles, para que não passem novamente pelo mesmo processo, e os devolve à sua colônia. Pedroso é contratado por ONGs, empresas e particulares. Só neste ano, aplicou o esquema em mais de 1 000 peludos, em locais como o Cemitério Quarta Parada e o arquipélago de Fernando de Noronha. “Coloco armadilhas com comida e também uso redes”, revela ele, com a agenda cheia por ser um dos poucos que executam a atividade por aqui. “Mas tem gatos, muito ariscos, que nunca vou conseguir pegar.” De “caçador” de gatos a evento para se sentir na pele de um, a capital caminha para um futuro cada vez mais felino. E os cachorros que se cuidem.

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ESCALADA FELINA

Números e curiosidades sobre universo dos bigodudos por aqui

1,25 milhão de gatos domésticos vivem na capital, de acordo com o Instituto Pet Brasil, o que corresponde a 24% dessa população no estado. No ranking, aparecem, em seguida, as cidades de Guarulhos e Campinas

36,2 bilhões de reais é a estimativa de faturamento do mercado pet em 2019 no Brasil, um crescimento de 5,4% em relação a 2018

1 200 felinos são doados, em média, todo ano, pela Adote um Gatinho, a principal ONG do setor

360 reais, no mínimo, custa uma consulta no 4cats, o primeiro hospital veterinário 24 horas da capital. Fica no Pacaembu

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1,6 milhão de pessoas seguem a página Cansei de Ser Gato, na qual reina a fofura do vira-lata Chico, no Instagram e no Facebook. Trata-se da maior conta do tipo no país

77 500 visitantes passaram pelas 31 exposições e competições de felinos de raça promovidas pela PremieRpet junto com o Clube Brasileiro do Gato desde 2012

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 27 de novembro de 2019, edição nº 2662.

 

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