Bailarina que perdeu os movimentos após doença rara sonha voltar a dançar
Marina Abib, referência em sua área, foi diagnosticada com encefalite autoimune e ficou em coma por semanas
O corpo de uma expoente da dança brasileira luta para continuar em movimento. Marina Abib, de 34 anos, começou a dançar aos 3. Pesquisadora da arte, fundou a Cia Soma e, além do Brasil, se apresentou em inúmeros países da Europa. Nos reveses da vida, seus giros e saltos tiveram de se aquietar por um período. É que, em 2018, o que começou como simples tonturas culminou em um diagnóstico preocupante: encefalite autoimune.
Trata-se de uma doença rara que causa uma inflamação no cérebro. “O mais comum é quando há infecção por um vírus, bactéria ou fungo, mas nos últimos anos estamos vendo mais casos autoimunes, quando o sistema imunológico produz uma reação contra ele mesmo”, diz o médico neurologista Lécio Figueira Pinto, que acompanha Marina.
O quadro se agravou em 2020, quando ela passou a ter delírios e convulsões, chegando a ficar semanas em coma. Por causa da enfermidade, a bailarina perdeu os movimentos do corpo. Não foi fácil chegar ao diagnóstico. A equipe teve de formar uma junta médica para avaliar o caso e a conclusão se deu por exclusão.
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Após iniciar o tratamento, Marina passou a ter melhoras significativas, e aí começou o segundo desafio. A série de medicamentos, sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e acompanhamento regular de neurologista e outros profissionais é de alto custo e a burocracia do plano de saúde atrapalha. A previsão é que os gastos cheguem a 360 000 reais nos próximos seis meses. Para custear o tratamento, a família e os amigos fizeram uma vaquinha on-line.
Apesar das dificuldades, a confiança na plena recuperação é grande. “Imagine uma bailarina profissional e o tanto de treino envolvido para conseguir fazer o que faz. Ela já é uma pessoa muito esforçada, que não desiste fácil e tem se empenhado muito na reabilitação”, elogia o doutor Lécio. Desde que começou o tratamento, Marina, que ainda tem bastante dificuldade na fala, documenta em um diário os passos que têm dado, e o sonho de voltar a dançar permanece vivo. “São folhas e folhas sobre esse processo. Ela tem que escrever um livro”, projeta o médico.
Para doar, acesse: inspirativos. com.br/causes/marina
Abaixo, leia uma entrevista com Marina, que respondeu às perguntas por meio de mensagens de texto:
Como está sendo sua recuperação?
Desde o início, no hospital ou na clínica, o tratamento toma todo o meu dia, 24h. Estou reaprendendo tudo. Hoje isso continua, mas felizmente estou em casa. Uma casa que aluguei em São Paulo porque meu pai mora em Ilha Bela e minha mãe em Bragança Paulista. Como todos os médicos estão aqui, a família toda teve que se reorganizar para alugar uma casa na capital para que eu pudesse estar próxima dos médicos e dos profissionais que estão fazendo a minha reabilitação. Estar em casa é muito bom e faz uma grande diferença. Um lugar em que estão os meus contornos, que não é frio e cheio de protocolos como o hospital e a clínica onde fiquei. É um grande alívio!
Tanto o hospital como a clínica foram muito bons e necessários, mas a falta de privacidade, de autonomia e de escolha foram sufocantes para mim. Então estar em casa já é um grande passo para o tratamento, que, além dos profissionais envolvidos, é capaz de acolher a família e os amigos, o que faz toda a diferença. Por isso fiz questão de começar por esse ponto. Até então sou acompanhada por cuidadoras 24h, faço fonoaudiologia, fisioterapia, dança, terapia, infusões quinzenais de imunoglobulina, além de consultas com psiquiatra e consultas recorrentes com meu neurologista. No momento estou em fase de transição por conta do desmame da gtt o que pode alterar um pouco esse quadro.
Como se sente vendo tanta gente se mobilizar pela sua recuperação?
Nunca poderia imaginar uma repercussão tamanha. No começo foi muito difícil pra mim aceitar expor a minha condição. Mas hoje meu coração vibra absurdamente! E a cada expressão de carinho eu sinto mais força, mais alegria e mais vontade de transpor cada milímetro que me foi tirado. Rever as pessoas, ouvir os encantos que chegam por todos os meios é extraordinariamente chocante. E além de tudo me dá ainda mais credibilidade no ser humano, que com generosidade, amor e determinação, pode mudar tudo.
Quais seus planos quando estiver recuperada?
Mover. Dançar. Contemplar e viver o agora.
E do que você sente mais falta hoje?
Hoje sinto muita falta de ter autonomia e privacidade. Na última década vivi e construí minha carreira entre Brasil e Europa, então ainda não ter a capacidade de subir uma escada, comer o que tiver na frente, carregar a mala nas costas fazer as minhas coisas por mim mesma é muito difícil. Tive meu corpo como forma de expressão desde que me entendo por gente, perder isso é morrer um pouco.
E vem livro por aí?
Incrível essa pergunta! Porque você não é a primeira pessoa a me fazer ela. Foram várias pessoas. Eu sempre amei escrever, tanto que sou formada em Ciências Sociais. Nunca parei de dançar, tanto que fundei uma companhia antes de entrar na faculdade. Sempre escrevi e incrível que foi pela escrita que os médicos conseguiram perceber o começo da minha melhora. Agora uma coisa que aprendi é que do futuro o gostoso é fazer planos, mas só planos.
Publicado em VEJA São Paulo de 07 de dezembro de 2022, edição nº 2818