Áudio mostra que central não mandou GCM abortar perseguição
Guarda civil Caio Muratori relatou passos da operação que terminou na morte do menino Waldik, de 11 anos
O agente da GCM que matou Waldik Gabriel Silva Chagas, de 11 anos, manteve a central informada sobre os passos da caçada ao Chevette onde o menino estava. Pelas normas internas, a corporação não pode realizar perseguições.
Um áudio obtido com exclusividade por VEJA SÃO PAULO mostra o diálogo entre as partes:
Eram cerca de 22h30 do sábado quando o guarda civil metropolitano Caio Muratori acionou a central de telecomunicações (Cetel) para informar que iniciara havia pouco uma perseguição a um Chevette furtado no bairro de Guaianases, na Zona Leste da capital. Entre o aviso e o tiro que culminou na morte do menino Waldik, foram cerca de vinte minutos, tempo em que a viatura de número 4104 percorreu aproximadamente dois quilômetros.
No áudio ao qual a reportagem teve acesso, em nenhum momento os agentes da central mandaram Muratori abortar a missão, considerada, posteriormente, equivocada pelo prefeito Fernando Haddad. “Estamos na perseguição pela Rua Inácio Monteiro e precisamos de apoio”, pede o guarda, que teve a solicitação prontamente respondida por outra guarnição (4090), que trafegava por São Mateus, distante cerca de quinze minutos dali. “Prossiga no apoio”, ordenou o agente da Cetel, que determinou “cautela” aos envolvidos na operação.
De acordo com as normas da corporação, nesses casos, a polícia deve ser acionada imediatamente para prosseguir na perseguição – o que não aconteceu. Somente depois que Caio Muratori informou a existência de uma criança baleada no carro – não disse quem efetuou o disparo – a voz da Cetel avisa que a Polícia Militar foi chamada (até então a PM fora acionada apenas para confirmar se o veículo possuía registro de furtos anteriores).
Enquanto a PM chegava ao local dos tiros, o menino dava entrada no Hospital Tiradentes, na mesma região. Outra medida fora das diretrizes operacionais ocorreu quando a central solicitou o “falcão” (número de telefone) dos envolvidos em vez de tratar diretamente pelo rádio, onde todas as conversas ficam registradas.
Em entrevista a VEJA SÃO PAULO, o secretário de Segurança Urbana, Benedito Domingos Mariano, afirmou conhecer a existência do áudio. “Existe uma resolução de maio de 2008 que proíbe explicitamente esse tipo de ação”, diz.
Questionado se, então, a viatura de Caio Muratori estava descumprindo uma ordem clara, Mariano responde: “Não vou falar desse caso específico, que está sob investigação. Mas vamos avaliar o comportamento da Cetel, que deve falar para os agentes não fazerem perseguições”.
Caio Moratori foi autuado em flagrante por homicídio culposo (que ocorre sem intenção de matar), pagou 5 000 reais de fiança e vai responder ao crime em liberdade. Poucos dias após a morte de Waldik, o GCM disse não saber que três menores estavam no carro. “Foi um acidente de trabalho, dispararam contra nossa viatura e eu revidei alvejando os pneus, mas a bala ricocheteou no asfalto e pegou no carro”, relata.
Inspetor exonerado
Após o caso envolvendo o guarda civil Caio Muratori vir à tona, a advogada Samara Bragantini, que o defende nos âmbitos administrativo e criminal, relata que passou a sofrer perseguições por parte da corporação, com seus clientes sendo coagidos a destituírem-na de suas defesas.
Em uma gravação, uma voz que seria do inspetor da GCM Valmir Cardozo da Silva ameaça um subordinado (investigado na corregedoria sob o crime de falsa comunicação de roubo) de demissão caso não trocasse de defensora. “Todos os casos que estiverem com ela (Samara), os caras (corregedoria) vão ‘arregaçar’. Ordem do ‘ser supremo’”, teria dito Cardozo da Silva. Questionado pelo guarda quem é o “ser supremo”, Cardozo responde: “O prefeito” (Fernando Haddad).
VEJA SÃO PAULO apresentou o áudio ao corregedor da Guarda Civil, Rildo Marques de Oliveira, ao secretário Nunzio Brigluglio (Comunicação) e ao secretário da Segurança Urbana, que exonerou o inspetor Cardozo do cargo de chefia nesta quinta (14) e abriu uma sindicância para apurar a coação. “Para mim, ser supremo é Deus. Nunca falei pessoalmente com esse sujeito e certamente o prefeito também não”, afirma. “Não existe ordem para obstruir o trabalho da advogada, que tem todo o direito de defender quem quer que seja.”
Além disso, a Polícia Civil abriu um inquérito para investigar a possível coação ao guarda e o cerceamento de trabalho da advogada Samara Bragantini. “O inspetor Cardozo não está mentindo. Realmente tem uma ordem superior para não me deixar trabalhar”, reclama Samara, que se queixa de procedimentos e decisões oriundos da Corregedoria da Guarda Civil, que nega qualquer conflitos entre as partes. A reportagem não conseguiu contato com Cardozo.