As histórias de servidores paulistanos no resgate de vítimas no Sul
Entre os voluntários está uma enfermeira do SAMU que adotou o cãozinho Faraó
Enfermeira de formação e há um ano atuando no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de São Paulo, Naiane Clemento, 36, se acostumou a prestar os mais diversos socorros a vítimas de acidentes de trânsito, incêndios e demais ocorrências corriqueiras no dia a dia da metrópole.
Desde o sábado retrasado (11), sua rotina mudou consideravelmente, não apenas pela mudança geográfica, mas também pelo rol de atendimentos que passou a realizar. Naiane é uma dentre os 48 servidores da prefeitura paulistana deslocados para trabalhar no resgate das vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.
“Chegamos a Porto Alegre e fomos imediatamente para Canoas (a cerca de 60 quilômetros de distância) resgatar as pessoas que não tinham como sair de casa. Porém, logo vimos a grande quantidade de animais deixados para trás e também passamos a socorrê-los”, relata.
Um deles foi um porco, preso no telhado de uma casa. “Ele era grande e pesado, mas conseguimos tirá-lo dali.” Uma vez salvo, o bicho foi enviado a um hospital veterinário de campanha montado na cidade (e depois para um abrigo animal), onde a enfermeira paulistana passou a atuar. “Temos aqui cerca de 3 000 cães e um deles será meu”, conta.
Quando retornar a São Paulo, nesta sexta (24), Naiane trará junto Faraó, um filhote cuja mãe correu risco de afogamento até ser socorrida pelos agentes paulistanos.
Enquanto a enfermeira se empenha em resolver o destino de um dos milhares de animais sem dono, uma patrulha da Guarda Civil Metropolitana paulistana já atuou para recuperar, de uma só vez, 105 bichos de uma residência alagada. “Os vizinhos iam saindo e deixando seus animais na minha casa. O número foi crescendo e não tive coragem de abandoná-los. Ou saíamos todos ou morreríamos todos lá”, conta Rochele Mondim, 38, que possuía, antes da subida das águas, dezessete bichos, entre cães, gatos e aves.
A solução veio quando uma voluntária se solidarizou e propôs alugar uma casa em um local seguro para levar a trupe.
A questão seguinte seria como transportá-los, pois a água já ocupava o primeiro dos dois pavimentos. “A guarda fez duas viagens e levou todo mundo em segurança”, comemora Rochele, cuja família pretende retornar à antiga residência assim que for possível.
Um dos agentes que atuaram no salvamento dos animais em Canoas, o paulistano Emerson Palese, 53, subinspetor da CGM há mais de vinte anos, levou sua experiência no salvamento de afogados nas represas Billings e Guarapiranga para o socorro aos gaúchos, mas foi uma questão familiar que mais o sensibilizou nas duas semanas de atuação no Sul do país. “Meu irmão mais novo, que também é da GCM e que por normas internas não pode trabalhar junto (a guarda não permite que parentes próximos atuem em postos hierárquicos diferentes), saiu comigo aqui e ajudou a socorrer pessoas e animais. Quando meus pais souberam, foi uma choradeira daquelas”, diz, emocionado.
Embora a maior parte dos salvamentos já tenha sido realizada, a comitiva paulistana não será desmobilizada.
Os 48 servidores que viajaram há duas semanas serão substituídos por uma outra leva de voluntários, também por um período de trabalho de duas semanas. “Manteremos as nossas estruturas, como a do hospital de campanha de Canoas, assim como os veículos terrestres e aquáticos, por tempo indeterminado”, afirma o secretário-executivo Fábio Lepique, encarregado pelo prefeito Ricardo Nunes de comandar a operação no Sul.
Com experiência militar, Lepique, que é oficial de infantaria da reserva do Exército, recordou uma lição que aprendeu nos anos 1990 e fez uma marcação no chão para orientar o piloto de um helicóptero que retornava da missão em Canoas. O pouso foi um sucesso, assim como as histórias de resgate da turma paulistana.
Publicado em VEJA São Paulo de 24 de maio de 2024, edição nº 2894.