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“Nossa transformação contempla o olhar das minorias”, diz diretora do Museu do Ipiranga

Após ser reinaugurado com o dobro do tamanho, museu completa um ano desde a reforma com planos para mostras inéditas e abertura de loja e cafeteria

Por Humberto Abdo
Atualizado em 8 set 2023, 15h55 - Publicado em 8 set 2023, 06h00
Mulher asiática com cerca de 60 anos sorri para câmera. Ela veste camisa social azul, óculos de grau. Está em frente a estante de livros.
Rosaria Ono, diretora do Museu do Ipiranga. (Museu do Ipiranga/Divulgação)
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Com uma cafeteria e loja previstas para abrir até 2024, o Museu do Ipiranga completa um ano desde sua reabertura, feita após reformas milionárias que dobraram o tamanho do edifício, agora com cerca de 16 000 metros quadrados. Sob o comando da diretora Rosaria Ono, 59, arquiteta e professora da USP, a instituição celebra o mês da independência com planos para receber novas mostras temporárias e atualizar os objetos do acervo disponíveis ao público — atualmente são 4 000 itens em exposição, cerca de 1% de toda a coleção.

Que balanço a senhora faz desse primeiro ano após a reabertura?

A grande diferença do museu antes do fechamento para agora é que estamos ocupando praticamente todos os ambientes e temos quase todas as salas abertas para mostras. A receptividade tem sido muito boa por termos as exposições históricas, que muita gente já conhece, e outras que trouxeram novidades de conteúdos sobre o Brasil e a sociedade brasileira e paulistana. Essa transformação contempla não só o olhar dos governantes e da elite paulistana, mas um olhar muito mais democrático lembrando dos indígenas e outros povos e imigrantes, além de temas como escravidão e questões de gênero.

De que forma vocês têm abordado essa diversidade no acervo?

Abordamos por meio do que chamamos de contrapontos. Temos objetos históricos que não retratam essas visões: você vê mais portugueses e brancos no domínio, subjugando escravos negros e indígenas. Em cada sala temos o contraponto, onde atualizamos essa informação dando voz aos que não conseguem se expressar de forma igual nesses quadros. Vozes dos indígenas, escravizados e mulheres são retratadas, assim como várias das informações que são exibidas em painéis e espaços multimídia.

Como tomaram a decisão de acrescentar esse conteúdo?

Temos um grupo de historiadores que acompanham essa movimentação, que não é só do museu, mas da sociedade como um todo. A ideia foi absorver esse movimento. Não é o caso de omitir e esconder o acervo, temos muitos objetos que retratam a visão de apenas uma parte da população e não podemos negar que aquilo existiu. O que a gente faz é discutir e abrir novas possibilidades de entendimento. Não é idolatrar as imagens, mas entender o papel delas no crescimento da sociedade.

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Esse exercício de contemplar minorias ainda é a exceção entre os museus de São Paulo?

Não é a regra como um todo. Tivemos essa oportunidade porque abrimos doze exposições e queríamos entender para não errar. Então tivemos recursos para fazer esse trabalho de escuta, que leva tempo e exige uma estrutura muito boa para ser bem feito, com vários profissionais envolvidos. Entendo que os outros museus fazem isso, mas não nessa escala, e vários promovem discussões e grupos, mas não com a visibilidade que conseguimos aqui.

Imagem em preto e branco mostra multidão ao redor de jardim de edifício clássico.
Registro de 1912: celebração do 7 de Setembro no Museu do Ipiranga. (Museu do Ipiranga/Divulgação)

Como tem funcionado essa curadoria?

O grupo conduziu um grande trabalho com indígenas, negros e minorias. Essas escutas foram feitas para termos a visão que cada um tem do papel do museu. E as exposições, de certa forma, refletem essa escuta. Passamos a discutir e trazer também a cultura material da grande população, não só da elite. Tem objetos que víamos quando éramos crianças, seja objetos decorativos, eletrodomésticos, equipamentos de cozinha ou mobiliário. Aumentou muito o número de pessoas oferecendo ao museu coisas antigas que têm em casa por causa disso. E tem aquelas que criaram uma imagem do museu e vieram com a expectativa de ver algo que não encontraram, porque temos quase 4 000 itens expostos, mas nessa renovação muita coisa foi substituída.

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Quais desafios a senhora enfrentou nos primeiros meses de trabalho?

O primeiro foi tentar atender a população porque temos uma demanda reprimida, pessoas que ficaram sem visitar o museu por nove anos (o local ficou fechado entre 2013 e 2022). É uma geração inteira que não veio. Fora a expectativa de quem visitou quando criança e voltou curioso para ver como está. O maior desafio foi dar conta de atender toda essa visitação porque o museu, apesar de estar bem grande e com 49 salas, ainda tem ambientes pequenos. Temos que controlar o público para não superlotar e garantir a segurança do acervo. E isso gerou muita insatisfação na obtenção de ingressos.

Imagem de jardim francês do Museu do Ipiranga com palmeira em destaque e céu bem azul.
Jardim francês do Museu do Ipiranga. (Rogério Pallatta/Veja SP)

Por que o museu passou a cobrar a entrada a partir de junho deste ano?

Temos uma política ampla de gratuidade para escolas públicas e instituições não governamentais, mas o museu precisa de recursos para se manter. Parte do orçamento vem de recursos públicos e, quando fizemos a expansão, vimos que precisaríamos de um plano de sustentabilidade que não dependesse só de recursos oriundos do Tesouro. Hoje temos elevadores, escada rolante, geradores, sistema inteligente de gestão, proteção contra incêndio, várias coisas que não tínhamos antes. Além desse orçamento, temos a venda de ingressos e o aluguel de espaços para eventos. Em breve teremos uma cafeteria e uma loja, onde já funciona uma livraria da Edusp. Mas a bilheteria é uma venda garantida, todo dia cai dinheiro.

Qual é o gasto mensal do museu?

Entre 1 e 2 milhões de reais por mês. E quantos frequentam atualmente em comparação com a média de público antes do fechamento? Antes do fechamento era entre 300 000 e 330 000 pessoas por ano. Agora estamos praticamente com o número dobrado, quase 650 000 nesse primeiro ano. Cerca de 4 000 ingressos disponíveis por dia.

O ex-governador João Doria se empenhou na reforma e até politizou um pouco a questão. Como define a relação com a atual gestão do estado, com o governador Tarcísio de Freitas?

Nós mantemos uma boa relação até o momento também. O museu está subordinado à USP e à Secretaria de Ciência e Tecnologia, no entanto temos uma interação muito forte com a Secretaria de Cultura pela afinidade, então temos um contato muito próximo, faço relatos e recebo apoios.

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Quais são os próximos planos agora? O que pretendem mudar ou acrescentar em 2024?

Nossa proposta para os próximos anos é mudar as exposições de média e longa duração. Já estamos fazendo um balanço do que deu certo e teve maior aceitação, o que teve mais dificuldade de diálogo com a população. Isso está sendo sempre monitorado para termos essas trocas. Além disso, nossa ideia é ter pelo menos duas exposições temporárias por ano. Por enquanto, temos duas ou três propostas para o ano que vem, que também dependem de mais recursos, pois é um custo elevado. E mantemos uma parceria com a (Orquestra Brasil) Jazz Sinfônica, com alguns concertos no nosso auditório, sempre bem concorridos.

Fachada do Museu do Ipiranga.

Museu do Ipiranga: reaberto em setembro de 2022.

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Publicado em VEJA São Paulo de 8 de setembro de 2023, edição nº 2858

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