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Ascensão e queda da maior quadrilha da cidade

Monstro e Charuto lideravam o maior bando do país especializado em assalto a bancos. Atuavam com a ajuda de funcionários das instituições e um policial militar. Em todas as ações, nunca esconderam o rosto nem deram um tiro

Por João Batista Jr. [Colaboraram Mauricio Xavier e Silas Colombo]
Atualizado em 1 jun 2017, 17h25 - Publicado em 31 jan 2014, 23h00
Dão, procurado pela polícia
Dão, procurado pela polícia (Reprodução/)
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– Eu só dou entrevista se ganhar um dinheiro, não tem jeito.

– Mas entrevista não é paga.

– Eu só falo se me der o que eu ganhava pelos B.O.s que fazia, meio milhão de reais.

– Bom, sendo assim não teremos a entrevista.

– Cuidado com o que você vai colocar na revista. Olha aqui (apontando para muque direito) o tamanho do meu braço.

O diálogo travado entre a reportagem e o assaltante de bancos Rolídio Brasil de Souza Gama, conhecido como Monstro, de 42 anos, se deu na em um cubículo de três metros quadrados dentro do Departamento Estadual de Investigação Criminais (Deic), na Zona Norte. É lá que o bandido está retido ao lado do comparsa Claudio Alexandre da Silva, o Charuto, de 38 anos.

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Monstro tinha acabado de fazer a barba e, na conversa-relâmpago, não escondeu um sorriso de canto de boca, como alguém debochado e orgulhoso do que faz. Ele e Charuto formam uma dupla da pesada. São os cabeças do maior bando de assaltantes de bancos da capital em termos de produtividade. Nos próximos dias, os bandidos vão receber “visitas” de funcionários e gerentes de instituições financeiras roubadas nos últimos anos em São Paulo. Muitos desses profissionais estiveram sob a mira das armas .40 da gangue e irão até lá fazer reconhecimento.

 

Camaro Amarelo
Camaro Amarelo ()

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Monstro foi preso no dia 2 de janeiro em Boiçucanga, na cidade de São Sebastião, no Litoral Norte, pelo delegado Marco Antônio Desgualdo, do Departamento de Capturas e Delegacias Especializadas (Decade). Ganhou na semana passada a companhia de Charuto, detido na última quarta (29), quando ia visitar seu advogado, em Santana. Ele teria participado de pelo menos dez dos 62 casos entre 2008 e 2013.

Monstro - quadrilha - assalto a banco
Monstro – quadrilha – assalto a banco ()

Com isso, a polícia acredita ter desmantelado o grupo, responsável por surrupiar pelo menos 18 milhões de reais dos cofres de agências da cidade, num cálculo conservador da corporação. Somente noano passado foram dezenove assaltos — ou seja, uma média de mais de um por mês. Os alvos prediletos eram agências do Banco do Brasil e do Santander, cada rede roubada mais de vinte vezes. “Eu gastei tudo porque levo uma vida louca”, contou Monstro aos investigadores. De fato, o bandido não tinha uma vida nababesca. Morava em uma Cohab na ZonaLeste, não mantinha contato frequente com os parentes (tem três filhos com uma única mulher) e é usuário de cocaína.

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Charuto, ao contrário, exibe músculos esculpidos em academia e mora com sua quinta mulher, com quem teve um de seus nove filhos, também em um conjunto habitacional. O dinheiro oriundo do crime era investido em carros. Sua principal aquisição foi um Camaro amarelo ano 2012, registrado em nome de um cunhado, cotado a 140 000 reais. Mas a frota particular incluía exemplares de Hyundai i30, EcoSport, Saveiro, Fiat Punto e Peugeot 206.

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Monstro começou a vida no crime assaltando caminhões de transportadoras e pessoas nas ruas. Pego em flagrante e condenado, escapou em 2007 do presídio de Pacaembu, no interior de São Paulo, aproveitando o benefício do regime semiaberto que a Justiça tinha acabado de lhe conceder. De volta às ruas, passou a assaltar bancos ao lado de outro bandido. Quando a polícia apanhou seu comparsa, em 2011, resolveu montar a própria quadrilha. Como estava foragido da Justiça e tinha a ficha suja, adotou no recrutamento a estratégia de aliciar novatos nesse tipo de crime. “É um bandido diferenciado”, define o delegado Fábio Pinheiro Lopes, o responsável pela divisãode assalto a bancos do Deic. “Todos os seus assaltos contaram com a cumplicidade de um funcionário das agências e de um policial militar, que dava cobertura na rua. Com isso, nunca precisaram atirar em ninguém.”

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No esquema de trabalho da quadrilha formada por quatro integrantes principais (veja o perfil abaixo), um dos pontos mais importantes do planejamento consistia em cooptar um funcionário da empresa contratada para fazer a segurança do banco que estava no alvo. “O bando fazia a abordagem se fingindo de amigo, falando que o salário do vigilante era baixo e que em um único assalto ele poderia melhorar devida”, conta Lopes. O vigia tinha a promessa— cumprida pelos bandidos — de receber uma parte igual na divisão do “lucro” do roubo. Esse trabalho de abordagem de convencimento era a especialidade de Charuto.

Tabela
Tabela ()
Gráfico dados assalto a bancos
Gráfico dados assalto a bancos ()
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A ação ocorria de manhã, antes de o expediente começar, ou no fim da tarde, depois de encerrado o horário bancário. No caso dos assaltos diurnos, os ladrões procuravam o primeiro gerente a aparecer por ali, anunciavam o assalto e rumavam para os fundos da agência, em busca do dinheiro guardado no cofre. Após sua prisão, Monstro contou à polícia que nessas ocasiões portava uma arma de brinquedo. Dos quatro comparsas, apenas um deles portaria uma pistola de verdade. Segundo o depoimento de um gerente do Santander, Monstro ficava tão à vontade nesses momentos que lhe deu uma bronca quando ele chegou ao trabalho. “Seu horário é 8 da manhã. Está meia hora atrasado. Não tem medo de perder o emprego?” Para não chamar atenção, o vestuário deles era composto de calça social, camisa e gravata— o mesmo tipo de roupa usado pelos verdadeiros funcionários de banco.

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A ação durava, no máximo, uma hora, já que alguns cofres são compartimentados e têm um temporizador programado para abri-los em média após trinta minutos. No fim, eles carregavam a CPU dos computadores das agências com as imagens gravadas pelas câmeras de segurança. Por isso, nem sequer se davam ao trabalho de usar máscaras. Apesar de as empresas terem aperfeiçoado as tecnologias e as medidas para coibir os assaltos, algumas agências ainda armazenam os dados de seu circuito interno de câmeras apenas em um computador. Os bandidos, cientes dessa deficiência, concentravam seus trabalhos nesses locais.

As investigações sobre o bando começaram em janeiro do ano passado. O caso ganhou impulso quando a polícia conseguiu prender quinze vigias que ajudaram o grupo nos assaltos. “Como todos eram do Campo Limpo, Embu das Artes e Taboão da Serra, percebemos que o aliciador era da região”, conta o delegadoLopes. “Foi a partir disso que chegamos a Charuto, descobrimos sua frota de carros e a conexão dele com Monstro.” Por descuido da quadrilha, algumas imagens de agências sendo assaltadas sobreviveram à tentativa de queima de arquivo deles. O material confirmou a participação de Monstro e de seus companheiros.

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Com informações obtidas por meio de grampos telefônicos, os investigadores do Deic tinham o plano de prender toda a quadrilha em flagrante. Em setembro de 2013, os policias alugaram um sobrado em frente a uma agência bancária da Mooca que eles tramavam roubar. Mas, depois de receber uma dica de dentro do banco, Monstro mudou de ideia e avaliou que havia pouco dinheiro no local. Ele jamais saía de um banco com menos de 150 000 reais. Nos dias mais rentáveis, levava de 500 000 a 700 000 reais. Depois da tentativa frustrada, a polícia resolveu infiltrar um agente disfarçado de vigia para ser cooptado pelo grupo, em uma ação com previsão de ocorrer na Zona Sul. Porém, no dia marcado para o assalto, no início de dezembro passado, o bando mudou novamente de plano. A gangue considerou a época muito arriscada. O cerco acabou se fechando por acaso, quando o Decade recebeu a informação de que Monstro passava as férias em Boiçucanga ao lado de amigos. Acabou algemado de bermuda colorida e chinelo de dedo.

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O número de roubos em geral aumentou 18% na metrópole desde 2011, saltando de 107 000 naquele ano para cerca de 127 000 em 2013. Nos casos específicos que envolvem assalto a banco, as estatísticas mostravam queda — de 171 casos em 2009 para 115 em 2012. Além da ação da polícia, os investimentos do setor financeiro ajudaram nesse recuo. De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o valor gasto em proteção e segurança das agências bancárias em SãoPaulo aumentou mais de 60% nos últimos dez anos, chegando a cerca de 8 bilhões de reais em 2013.

As ocorrências do tipo, no entanto, voltaram a crescer na temporada passada, quando foram registradas 122 na cidade, o que representa 6% a mais que no período anterior. Apesar do aumento, é um problema relativamente pequeno diante do universo de 2 394 agências bancárias da capital. Mesmo assim, vem merecendo atenção das autoridades e instituições financeiras. O fenômeno está ligado à tendência de migração de atividades criminosas mais fáceis e amadoras, como o roubo de carros e de aparelhos eletrônicos, para operações maiores. “Muitas vezes, o roubo a banco serve para financiar outras ações que exigem maior capital, como o tráfico de drogas”, afirma Jorge Lordello, ex-delegadoe especialista em segurança pública. “A sensação de impunidade faz com que os criminosos se arrisquem em assaltos mais ousados e lucrativos, em vez de depender de receptadores para conseguir o dinheiro. “Foi exatamente o caso de Monstro. Até a última quinta (30), a polícia continuava à caça dos dois homens de seu bando que atuavam como motorista e do PM que dava cobertura.

Cinquenta anos de ataques aos cofres

Alguns dos roubos a banco mais célebres ocorridos na capital

Assalto agência Itaú, em 2007
Assalto agência Itaú, em 2007 ()

Crimes do gênero fazem parte da rotina paulistana há cinquenta anos. O primeiro grande caso remonta a 27 de janeiro de 1965, quando um carro forte do Banco Moreira Salles foi abordado na porta do prédio da instituição, na Praça do Patriarca, no centro. Houve tiroteio e um funcionário da empresa terminou morto. Os 500 milhões de cruzeiros levados (na época, suficientes para comprar 100 carros populares) seriam recuperados depois, com a quadrilha presa.

Outro episódio célebre teve como cenário a agência central do Banespa, na Rua João Brícola, no centro, em julho de 1999, quando um bando formado por doze homens saqueou 39 milhões de reais. Mais recentemente, a criatividade teve de ser adotada para burlar sistemas de segurança. Em maio de 2007, assaltantes cruzaram desarmados a porta com detector de metais de uma agência do HSBC na Rua Joaquim Floriano, no Itaim Bibi. Enquanto eles distraíam os seguranças, um comparsa passou uma pistola automática pela caixa em que os clientes depositam seus objetos. Após nove minutos comunicando-se por meio de fones de ouvido e com todos os funcionários e clientes rendidos, o grupo não conseguiu abrir o cofre e deixou o local com o dinheiro dos caixas. Em fevereiro daquele mesmo ano, uma tragédia marcou o roubo a uma agência do Itaú na Avenida Ibirapuera, em Moema. Portando fuzis e metralhadoras, os bandidos trocaram tiros com a polícia durante a fuga, e a adolescente Priscila Aprígio, de 13 anos, acabou paraplégica ao ser atingida por um dos disparos.

O maior assalto já registrado na capital ocorreu na madrugada de 28 de agosto de 2011, em uma agência do Itaú na Avenida Paulista. Ao longo de oito horas, a quadrilha arrombou 170 cofres particulares, levando um montante que, estima-se, circulou entre 250 e 500 milhões de reais. Posteriormente, parte das joias e do dinheiro furtados seria recuperada e o mentor do crime, preso.

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