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A imagem dos operadores do pregão nem sempre condiz com a realidade

Sim, os operadores do pregão são estressados e estão no olho do furacão. Mas a expressão deles às vezes é exagerada

Por Maria Paola de Salvo, Filipe Vilicic e Fernando Cassaro
Atualizado em 5 dez 2016, 19h29 - Publicado em 18 set 2009, 20h29

Quem vê a expressão tensa dos operadores da bolsa nas fotos estampadas nos jornais imagina que o que está em jogo é a vida deles ou sua fortuna pessoal. Não é exatamente assim. Apesar da cara de soldados em combate, são raros os operadores que aplicam o próprio dinheiro. Em geral, eles executam ordens, contabilizando lucros ou perdas para os clientes da corretora para a qual trabalham. Ganham salário fixo, que varia de 1 700 a 15 000 reais – a média é de 2 500 reais.–, e em minutos são capazes de demonstrar emoções tão diversas quanto apatia e euforia. A crise global que eclodiu no último dia 15 de setembro, quando um dos mais tradicionais bancos de investimento de Wall Street, o Lehman Brothers, foi a pique, vem produzindo um festival de caretas. “Alguns operadores, quando nos vêem, começam a fazer caras e bocas. Há até umas figurinhas manjadas”, diz Eduardo Knapp, fotógrafo da Folha de S.Paulo, que cobre o mercado financeiro desde 1993. Existe, inclusive, um aquário de vidro acima do pregão destinado aos fotógrafos. Diante das sucessivas quedas no índice Bovespa, sobraram unhas roídas, berros, cabelos arrancados e tremedeira nos pregões. Houve três picos de nervosismo, quando as negociações tiveram de ser suspensas – uma vez no dia 29 de setembro e outras duas em 6 de outubro. Chamado de circuit breaker, o mecanismo interrompe as operações sempre que a bolsa apresenta uma queda de 10%. Uma paralisação desse tipo havia ocorrido pela última vez em janeiro de 1999, durante a crise da Rússia.

Desde 2005, a Bovespa opera de forma totalmente eletrônica, com computadores. Os funcionários que são clicados se descabelando atuam hoje apenas no prédio da antiga BM&F – em maio, a empresa se uniu à Bovespa formando a BM&FBovespa. Pelas potentes cordas vocais dos cerca de 300 operadores chegam a circular mais de 7 bilhões de reais por dia. Mas mesmo esses são em menor número que no passado. Em 2003, eram 1.200. “Os computadores tiraram o emprego de muita gente”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Mercado de Capitais, Marcio André Mieza. Os que sobraram falam alto, encenam e conversam numa espécie de linguagem de sinais. Usam 24 tipos de gesto com as mãos para comunicar compra e venda. E berram muito. Acima de 95 decibéis, o equivalente ao som de um helicóptero pousando. A seguir, histórias de quem já atuou ou continua atuando nesse palco que, mais do que nunca, atrai as atenções dos brasileiros.

O potente gogó do “Tremedeira”

Apesar de Fernando Petrillo estar há dez anos no frenético mundo onde quem corre mais rápido e grita mais alto consegue os melhores resultados, suas mãos ainda tremem quando ele fica nervoso. E isso acontece a toda hora. Petrillo ganhou o apelido de “Tremedeira” em 1997, quando entrou na antiga BM&F, que hoje faz parte da BM&FBovespa, como auxiliar de operador. Tornou-se operador de viva-voz (a pessoa que faz as negociações em nome de uma empresa no pregão) dois anos depois. Aos 33, formado em comércio exterior, corre 10 quilômetros pela manhã e malha durante quarenta minutos no almoço para liberar as tensões. Antes de entrar no pregão, prepara a voz com exercícios que aprendeu durante um ano em sessões de fonoaudiologia. “Se não sou ouvido, perco negócios de milhões. Então, o jeito é gritar.”

Cara de pit bull e 10 000 reais no fim do mês

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Por baixo da seriedade da camisa e gravata do operador José Luiz de Moura escapam algumas tatuagens coloridas. “Tenho 32 delas e farei mais uma”, diz. Elas denunciam o motociclista no qual ele se transforma no fim de semana. “Circulo por aí para aliviar o stress do pregão”, afirma o operador, que passou 24 de seus 42 anos gritando e gesticulando no 3º subsolo da BM&F. Conhecido como Roy pela cabeleira no estilo do vocalista do grupo Menudo que costumava exibir no passado, Moura nunca trabalhou tanto como agora, com a reviravolta global. “É a pior crise que já vivi. O mercado e os clientes estão muito nervosos e acaba sobrando para a gente”, diz ele, que recebe 10 000 reais por mês.

“Neste momento estava sendo xingado pelo chefe”

Operador há trinta anos, Humberto Canata caiu em desespero no último dia 18 de março diante dos números do painel. A instabilidade do mercado refletia o início da crise de crédito americana, que hoje assola o mundo. “Naquela hora, tinha acabado de perder uma negociação e ouvi vários xingos do chefe”, conta ele. “Agressão verbal do outro lado da linha sempre rola.” Isso porque o melhor negócio é sempre disputado no corpo-a-corpo. “Já rasgaram várias vezes minha gravata e camisa”, afirma Canata, desempregado há dois meses. Daquela época, herdou uma hérnia de disco e problemas de vista, além de um trauma de telefone. “Eu me arrepio quando ouço o toque.”

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Aposentadoria depois de cansar de roer as unhas

Pedro Carlos Campos entrou na bolsa aos 13 anos, como office-boy. Desde então se passaram 38. Em meados dos anos 70 virou operador, foi funcionário de quatro grupos de investimento, passou pela Bovespa, pela BM&F e abandonou a profissão em outubro do ano passado. A foto de 2001 o mostra roendo as unhas, algo que fazia quando estava nervoso. “Negociar milhões em um dia é muita pressão, voltava estressado para casa”, conta. “Agora, sosseguei e curto a aposentadoria na praia.” Para garantir um bom pé-de-meia, colocou parte de seu dinheiro em um fundo de investimento. “Decidi não aplicar diretamente em ações porque sei como é arriscado.”

“Fiquei mais arrasado do que quando meu pai morreu”

No fim de seu expediente como operador em 30 de setembro de 2005, Arlindo Augusto Ikemoto, 41 anos, tirou o telefone do ouvido, soltou a gravata e chorou. “Foi o dia mais triste da minha vida, fiquei mais arrasado do que quando meu pai morreu”, diz. Era o último pregão viva-voz com funcionários da Bovespa, que desde então só opera por computadores. Tempos depois, teve de migrar para a BM&F, onde trabalhou até 2007. “Sempre gostei da minha profissão, mesmo com stress”, afirma ele, hoje desempregado. Os 23 anos que passou em meio a gritaria, pressão e números o mandaram para o consultório de um terapeuta. “Às vezes tremia ao descer as escadas do prédio para mais um dia de trabalho.”

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