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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Duas dicas de como falar sobre a morte com uma criança

A morte é um evento irrevogável e o ser humano parece ser a única espécie a ter plena consciência do quão certa ela é. Ainda assim nunca estamos completamente preparados para lidar com ela. Para quem fica, ela machuca. Quanto maior a proximidade com quem morreu, maior a intensidade dos sentimentos experimentados. + Um papo […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 13h55 - Publicado em 8 dez 2015, 20h42

Kid

A morte é um evento irrevogável e o ser humano parece ser a única espécie a ter plena consciência do quão certa ela é. Ainda assim nunca estamos completamente preparados para lidar com ela. Para quem fica, ela machuca. Quanto maior a proximidade com quem morreu, maior a intensidade dos sentimentos experimentados.

+ Um papo rápido sobre a depressão

Se já é difícil lidar com seus próprios sentimentos diante da morte de alguém próximo, imagine ajudar uma criança nesses momentos. Mas, embora pareça uma tarefa quase impossível, a verdade é que as dificuldades sobre a compreensão da morte têm mais a ver com as próprias angústias do adulto do que com uma suposta dificuldade da criança em compreender o evento.

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Então o que é preciso para lidar bem com uma criança diante da morte de alguém próximo? Basicamente, dois ingredientes: honestidade e capacidade de ouvir a criança.

Honestidade (Ou: “O que dizer à criança?”)

Quando um adulto evita dizer a uma criança que alguém morreu, ele supõe que a criança não é capaz de compreender ou de absorver a notícia, de modo que prefere dar explicações metafóricas, afirmando que a vovó está dormindo, ou que o irmãozinho foi viajar para junto de papai do céu. Embora esta estratégia pareça servir para poupar a criança de um sofrimento desnecessário, a verdade é que ela só serve para poupar o próprio adulto de enfrentar as possíveis reações da criança diante da notícia verdadeira. A morte, nesse sentido, é apavorante para o adulto e não para a criança.

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O primeiro problema que existe ao dar explicações metafóricas é que, até certa idade, crianças têm compreensão literal sobre o que escutam. Elas não são capazes de entender metáforas. Então imaginemos uma criança a quem foi dito que sua tia está descansando numa nuvem fofinha no céu. Ela vai crescer com esta ideia e vai construir possibilidades a partir dela. Por exemplo, numa eventual viagem de avião ela provavelmente vai querer ver a tia. Ou, quando entender o funcionamento de um telefone celular, vai querer fazer uma chamada para a tia.

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Manter a versão dará muito trabalho a todos os adultos que circundam a criança e, ainda assim, não será possível sua manutenção para sempre. A criança começará a perceber contradições e inconsistências na história metafórica criada. Ela ficará confusa e angustiada até o dia em que não terá mais dúvidas de que aquela história que lhe foi contada não é verdadeira.

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Alguns adultos supõem que este momento de descoberta é o momento a partir do qual a criança teria capacidade de entender a morte. Imaginam que, ao descobrir que a tia de fato morreu, a criança manifestará uma enorme gratidão por lhe terem poupado da verdade no passado. Pois acontece exatamente o contrário. A criança ficará ainda mais confusa e frustrada diante da descoberta de falsidade da história contada.

Provavelmente a criança poderá recuperar sua capacidade de compreensão sobre a realidade e superará a dor e frustração geradas pela falsa explicação dada pelos adultos. Mas tem algo que se perde quando a verdade vem à tona e que dificilmente pode ser recuperada: a confiança nos adultos que lhe contaram a explicação metafórica. Isso é para sempre na maior parte dos casos. Portanto, o que deve ser dito às crianças é simplesmente a verdade. Nada de viagens, adormecimentos e mudanças para o céu. A palavra certa para explicar o falecimento de alguém é morte. Isso nos leva à segunda questão, sobre o momento de se dar a notícia.

A criança como protagonista (Ou: “Quando conversar a respeito?”)

Da mesma forma que a melhor resposta sobre o que dizer é a mais simples possível (a verdade), a melhor resposta sobre quando conversar também é a mais simples possível: os momentos em que a criança quiser.

Quando alguém morre é importante dizer logo para a criança o que se passou da forma mais simples possível, sem grandes explicações. Dependendo da história de vida e da idade – a partir dos 4 anos a capacidade de estabelecer relações entre eventos e a de discriminar eventos simbólicos de eventos concretos começa se estabelecer -, há crianças que já terão algum conceito formado sobre morte e outras não. No caso das primeiras, será mais fácil entender o que aconteceu. E, da mesma forma como ocorre com adultos, diferentes sentimentos podem emergir. É importante que os adultos integrem a criança na partilha desses sentimentos. Isso significa acolher o que a criança expressa e também demonstrar a ela os próprios sentimentos dos adultos. Além de servir de modelos para o enfrentamento da situação, isso fortalece a capacidade de resiliência e de empatia da criança.

No caso das crianças que ainda não têm um conceito de morte formado ou bem formado, talvez não seja possível entender o que ocorreu de fato. Ainda assim, a notícia deve ser dada. Não nos esqueçamos. É essencial usar a palavra morte e suas derivadas. Ainda que não faça sentido naquele momento, conforme o tempo passa e a criança entra em contato com outras experiências, ela poderá associar aos poucos o evento passado com os novos conceitos que vão surgindo.

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Pode acontecer, inclusive, de a criança só experimentar os sentimentos de tristeza anos depois da morte da pessoa próxima. Esta será, então, a hora de conversar a respeito com mais profundidade. Por exemplo, pode-se dizer a uma criança que seu avô morreu e ela perguntar apenas meses depois o que é morte. Então é naquele momento que será possível aprofundar um pouco a notícia. Por incrível que pareça, é muito simples. Basta seguir o ritmo da criança.

Uma forma de ajudar a criança a entender o conceito de morte durante o desenvolvimento é falar sobre o assunto mesmo que ninguém próximo tenha morrido. Plantas e animais (mesmo insetos) de vida curta são extremamente úteis para explicar o que é morte. A criança que pode acompanhar ciclos de nascimento e morte de plantas e pequenos animais entende mais facilmente a morte humana.

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Meu pai morreu quando eu tinha quase 4 anos de idade. Lembro-me de pequenas passagens com ele. Sou grato até hoje à minha mãe e aos meus irmãos mais velhos por me terem sempre contado a verdade, embora eu não tenha podido compreendê-la à época. Lembro-me bem de estar no colo de minha mãe durante o velório de meu pai mostrando-me seu corpo no caixão. Esta memória é praticamente uma fotografia, não abarca mais do que dois segundos mas é um lapso de tempo guardado na memória que foi essencial para me dar elementos para assimilar a morte de meu pai ao longo dos anos.

A morte, embora seja um evento talvez irremediavelmente incompreensível, é certa e inevitável para todo ser vivo. Assim, não há porque poupar a criança do contato com ela. Na verdade, não há nada de que se poupar. As crianças, na verdade, têm um psiquismo muito mais aberto e isento de ruídos do que nós mesmos. Auxiliá-las em aproveitar essa condição certamente as ajudará a se tornarem adultos melhor resolvidos emocionalmente.

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