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Indicações do que assistir no teatro (musicais, comédia, dança, etc.) por Laura Pereira Lima (laura.lima@abril.com.br)
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A atriz Clara Carvalho oferece pistas sobre seu ofício: “A dança e a literatura se transformaram em teatro”

Em tempos passados, longe das revistas de celebridades e das mídias sociais, o anonimato servia de trunfo para o ator. Quanto menos o público soubesse de sua vida privada, mais facilmente compraria a transformação no novo personagem. A atriz Clara Carvalho, de 53 anos, é uma presença constante na cena paulista há quase três décadas […]

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 26 fev 2017, 22h42 - Publicado em 20 fev 2014, 17h27
Clara Carvalho (Foto: Ronaldo Gutierrez)

Clara Carvalho: “sou uma artesã” (Foto: Ronaldo Gutierrez)

Em tempos passados, longe das revistas de celebridades e das mídias sociais, o anonimato servia de trunfo para o ator. Quanto menos o público soubesse de sua vida privada, mais facilmente compraria a transformação no novo personagem. A atriz Clara Carvalho, de 53 anos, é uma presença constante na cena paulista há quase três décadas e pode ser vista atualmente em duas montagens, Dançando em Lúnassa e Ou Você Poderia Me Beijar. Carioca radicada em São Paulo desde 1987, Clara é um das atrizes-chaves do Grupo Tapa, ao lado de Denise Weinberg, e comprova isso até hoje em montagens dirigidas por Eduardo Tolentino de Araújo. Também tem sido comandada frequentemente por vários outros encenadores e faz traduções do inglês e francês para comédias de sucesso. Além disso, ela participou de apenas dois filmes e quase nada de televisão. E ficamos por aí… Eu não sabia nada mais sobre Clara Carvalho. Nessa — longa — entrevista, eu descobri algumas coisas e, agora, compartilho com vocês. Vamos lá, Clara?

A sua iniciação artística veio com o balé. Nada muito diferente da de grande parte das meninas de classe média da sua geração, não?

Nasci em Copacabana, morei na Avenida Atlântica e depois em Ipanema. Tive uma formação das meninas de classe média carioca mesmo. Cursei inglês e francês. Estudei no Colégio Santo Inácio e me formei em Letras e Literatura na PUC. Comecei a fazer balé aos 11 anos, com Dalal Achcar. Foi aí que descobri a paixão, a disciplina e comecei a me situar como ser humano. Aos 16 anos, eu ingressei no Ballet do Rio de Janeiro. Dois anos depois, eu já tinha DRT de artista e uma rotina puxada, conciliando ensaios com faculdade. Aos 20, fiz concurso e entrei para o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, de onde saí logo depois para me casar. Eu tinha 22 anos, foi um casamento tradicional, mas não deu certo. Cheguei a dar aula de balé para crianças e a dar aulas de português na própria PUC, mas abandonei tudo isso ao começar a fazer teatro. Tinha 26 anos.

Que impacto isto teve para você? 

Posso dizer que, na minha vida, a  dança e a literatura se transformaram em teatro. Fazer uma personagem é, de certa forma, escrevê-lo no espaço com seu corpo. Vem da intuição, da fantasia, da memória e do treino físico. São criaturas que você cria que têm corpo, voz, movimento, interagem com outras criaturas. Com o tempo, o ator vai formando uma galeria pessoal de criações, ainda que depois se desfaçam no ar, como dizia o Shakespeare. Nessa transição, saindo da dança e das aulas na universidade para o teatro, no Rio de Janeiro, passei a frequentar um curso noturno no Tablado, com a Louise Cardoso e o Carlos Wilson. Em 1985, fiz um workshop de verão na CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), onde conheci o Eduardo Tolentino de Araújo, que me convidou para ingressar no Grupo Tapa. Foi uma afinidade imediata. Eu senti que o Tapa fazia o tipo de teatro de repertório que me interessava, com um treinamento e uma pesquisa sérios, nos moldes de uma companhia mesmo. Eu queria pertencer a um conjunto em que eu pudesse me desenvolver, em que houvesse algum planejamento, sem precisar ficar pulando de um lugar para o outro.

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Conta um pouco mais do início da sua história com o Eduardo Tolentino de Araújo e a Denise Weinberg, seus grandes parceiros no Tapa…

Antes de fazer teatro, eu não conhecia o Eduardo e a Denise, apesar de eles também terem estudado na PUC mais ou menos na mesma época que eu. Já tinha visto o trabalho do Eduardo como diretor em Viúva, Porém Honesta, do Nelson Rodrigues. A Denise e o Eduardo já trabalhavam juntos, desde o teatro amador na faculdade. E eu tinha me impressionado com a Denise numa linda montagem de Tio Vânia feita pelo Teatro dos Quatro. Era um trabalho deslumbrante dela como a personagem Sônia. Aquele monólogo final feito por ela era um arraso. Eu me lembro até hoje. Mas eu conheci o Eduardo mesmo naquele workshop da CAL. Logo, comecei a frequentar os estudos do Tapa, que aconteciam no playground do prédio de um dos integrantes do grupo naquela época.

Denise Weinberg e Clara Carvalho em "Dançando em Lúnassa" (Foto: João Caldas)

Denise Weinberg e Clara Carvalho em “Dançando em Lúnassa”: parceria de quase três décadas (Fotos: João Caldas)

Como se dá essa mudança para São Paulo? Sei que houve a possibilidade de ocupar o Aliança Francesa, o mercado de teatro em São Paulo devia ser mais interessante, mas o que te trouxe realmente para a cidade? 

Quando o Eduardo me convidou para entrar no elenco de O Tempo e os Conways em 1986, iniciando a ocupação do Teatro Aliança Francesa, eu nem pestanejei. Topei na hora. Eu sabia que essa aventura ia ser essencial, transformadora na minha vida e foi mesmo. O que me trouxe para São Paulo foi a possibilidade de fazer um trabalho continuado e intensivo. E o fato de existir um núcleo que queria a mesma coisa que eu naquele momento foi essencial. O Tapa veio para São Paulo quase que numa migração de Arca de Noé. Fomos morar num hotel em São Bernardo do Campo. Depois, dividimos todos juntos por meses um apartamento no Largo Santa Ifigênia. Nossa, foi tanta aventura. São Paulo me acolheu. Fiz grandes amigos e nasci mesmo como artista e artesã de teatro. Porque acho que é isso que eu sou. Sou uma artesã do teatro. O Rio era, e acho que continua sendo, uma cidade centrada na televisão. O teatro – com exceção de algumas companhias incríveis, como a Cia. dos Atores – têm menos suporte, há menos grupos estáveis, com projetos continuados. O movimento lá é menor, não existe, por exemplo, uma rede Sesc com o tamanho e a força que tem aqui.

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Mas, claro, havia uma mudança de vida vinculada a essa história… Não era só trabalho. Sua família ficaria no Rio, por exemplo…

Não foi fácil.  Nunca é. Meus pais ficaram preocupadíssimos, foram contra, mas era um movimento muito forte dentro de mim e eu banquei. Nessa vinda, eu me casei com outro ator do Tapa, o Brian Penido Ross, e tive minha filha, a Helena. Hoje, ela tem 22 anos, acabou de se formar em jornalismo pela Cásper Líbero e ingressou numa especialização em História na USP. A vida aconteceu por aqui e foi seguindo. Estou casada há 13 anos com o advogado Carlos Mendes Pinheiro Jr., que já se acostumou com meus horários malucos, acompanha tudo que faço e torce por mim.

Em Dançando em Lúnassa, você volta a trabalhar com Denise. Qual é a vantagem e a desvantagem de reencontrá-la em cena?

A gente brinca que somos irmãs no teatro. Denise é uma pessoa com quem tenho cumplicidade total, que me emociona sempre. Ano passado, nós fizemos juntas Isso é o que ela Pensa, do Alan Ayckbourn. Quero reencontrar a Denise em cena pelo resto da vida. Nunca fica confortável, somos malucas demais para isso. Ficamos muito tempo sem fazer peça juntas. Tenho trabalhado com outros grupos. Engraçado, até hoje, quando estou com a Denise no palco, a sensação que tive com a Sônia que a vi fazer naquele Tio Vânia está presente. É uma referência de qualidade para mim. Com a Sandra Corveloni também tenho essa intimidade. Ana Lúcia Torre é uma outra parceira que sempre reencontro. Há uns três anos, ela me encomendou uma tradução.

Elenco da peça Dançando em Lúnassa (Foto João Caldas)

“Dançando em Lúnassa”: cartaz do Viga Espaço Cênico quartas e quintas

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E nessa ponte de reencontros vem Ou Você Poderia me Beijar, dirigido pelo Zé Henrique de Paula, que foi seu colega no Tapa, não?

Puxa, quantas coisas vão acontecendo na vida da gente. Uma direção incrível do Zé Henrique de Paula. Eu o conheci na época em que ele era ator (aliás, excelente) no espetáculo Camaradagem. Um tipo de trabalho como esse do Núcleo Experimental, que é de um capricho, de um requinte, eu não imagino como poderia ser desenvolvido no Rio, onde é muito mais difícil manter o foco num aprimoramento de longo prazo. Quero muito fazer outras coisas ainda com o Zé.

No cinema você só fez O Maior Amor do Mundo, do Cacá Diegues, e Quanto Vale ou É Por Quilo?, do Sérgio Bianchi. Faltou convite ou vontade?

Eu só participei desses dois filmes mesmo, além de vários curtas experimentais. Fiz também alguns testes para outros longas, mas acabei não sendo selecionada.

E televisão? Você tem tipo físico perfeito para a televisão. Não acredito que nunca tenha tido convites. 

Em televisão, nunca participei de uma novela ou minissérie. Na verdade, nunca fiz nem teste para novela. Para não dizer que sou virgem de televisão, participei de um episódio do seriado 9 mm: São Paulo, produzido pela Moonshot, e também do seriado Descolados,  para a MTV. Nunca pintaram convites e eu também, verdade seja dita, nunca corri atrás. Quando acontecer um trabalho bacana em televisão na minha vida, vai ser bom, porque é uma coisa que tem muita visibilidade e remunera bem. Sabe, é como dizem, quando essa sorte chegar, vai me encontrar trabalhando.

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Clara Carvalho, Marco Antônio Pâmio e Rodrigo Caetano em "Ou Você Poderia me Beijar" (Foto: Ronaldo Gutierrez)

No Núcleo Experimental: Clara, Marco Antônio Pâmio e Rodrigo Caetano em “Ou Você Poderia me Beijar” (Foto: Ronaldo Gutierrez)

Quais são os prós e os contras de ser uma atriz essencialmente de teatro?

Engraçado, acho que minha busca essencial sempre foi pela cena, pelo teatro mesmo. Sou apaixonada pelo ritual, é uma coisa que eu carrego desde criança. Quando não estou fazendo, pelo menos uma vez por semana eu vou assistir, eu gosto de assistir a tudo que posso. Aquele momento em que a luz da sala se apaga e algo mágico pode começar a acontecer não tem preço.  Eu fiz pouco cinema e quase nada de televisão, como já disse. Se pintar, vai acrescentar. Eu quero fazer, mas não vai mudar o que é essencial na minha vida. Eu faço dublagem, que é um trabalho dificílimo, que eu me orgulho muito de fazer e traduzo peças do francês e do inglês. Também dou oficinas de teatro para atores no galpão do Tapa duas vezes por semana. Estamos pesquisando Tio Vânia e As Três Irmãs, do Tchecov, até o fim do ano.

O que vale para a tradutora o fato de você ser uma atriz experiente? 

Eu trabalho bastante como peças inglesas e francesas. Sempre gostei de traduzir e, afinal, sou formada em literatura francesa e inglesa. Minhas primeiras traduções foram para o Tapa. O Eduardo sempre me confiou textos difíceis. Os resultados foram bons. Depois vieram encomendas do Alexandre Reinecke, do Giuliano Ricca e do Tubaldini Jr. Um deles é o Toc Toc, que está em cartaz há seis anos. Em breve, deve ser montado um texto engraçadíssimo, todo em versos que eu traduzi, chamado La Bête. Um trabalho enorme. Vai ser chamado de A Besta. Também em 2014, um volume com três peças do Tennessee Williams que eu traduzi para a É Editorial chega às livrarias. Como eu sou atriz, sei bem o horror que é uma tradução empolada, postiça, que atrapalha o ator. Então eu falo, experimento. Coloco o texto na minha boca quando escrevo. O público fica desinteressado, se cansa quando as construções de frase soam artificiais.

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Existe hoje um crescente desinteresse dos jovens pelo teatro. Como percebe esse interesse por parte de sua filha e dos amigos dela? E o que você acha que poderia ser feito para que os jovens voltassem a se interessar por teatro? Se é que algum dia os jovens se interessaram de fato…

É, a gente tem essa sensação de que as pessoas se interessam menos. O que eu acho é que existem mais complicadores: TV a cabo, um trânsito cada vez pior, essa coisa gigantesca que é a escravidão à televisão que existe no Brasil. Quando eu vim pra São Paulo, a gente fazia sessão de quarta a domingo, e duas no sábado. Isso era 1986, 1987. Depois acabou a sessão de quarta. Logo, acabou a de quinta e, agora, a peça que não é alternativa faz três sessões por semana. Assim, terça e quarta tem outro espetáculo no teatro. Quinta, outro. Daqui a pouco, as peças “mainstream” serão realizadas somente aos sábados e domingos. Os amigos da minha filha sempre vêm ver meus espetáculos e, em geral, gostam quando vão, mas não se mobilizam para  ir ao teatro. Aliás, nem vão mais ao cinema, vêm tudo no Netflix, no computador acoplado à televisão. O entretenimento se pulverizou em mil mídias portáteis. O Orson Welles dizia, sei lá, há uns 60 anos que o teatro era “um maravilhoso anacronismo”. Talvez seja mesmo. E talvez aí esteja sua força. Temos que fazer espetáculos caprichados, essenciais.

Confira em vídeo cenas do espetáculo Ou Você Poderia me Beijar

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