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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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A terapia não está funcionando

Quem começa a fazer terapia normalmente está em busca de alguma mudança. Pode ser no relacionamento, pode ser na carreira ou mesmo em campos que abarquem aspectos mais amplos da própria personalidade e objetivos de vida. Quando a necessidade tem a ver basicamente com comportamentos, as mudanças são mais visíveis e tendem a ocorrer com […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 19h38 - Publicado em 16 dez 2014, 21h51

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Quem começa a fazer terapia normalmente está em busca de alguma mudança. Pode ser no relacionamento, pode ser na carreira ou mesmo em campos que abarquem aspectos mais amplos da própria personalidade e objetivos de vida.

Quando a necessidade tem a ver basicamente com comportamentos, as mudanças são mais visíveis e tendem a ocorrer com maior rapidez. Fobias, crises de ansiedade, comportamentos infantis inadequados, dificuldades de aprendizagem… todos são exemplos de comportamentos cuja intervenção psicoterapêutica é mais ou menos bem estabelecida e os resultados, por isso, tendem a ser mais evidentes e rápidos. Por outro lado, quando a demanda do paciente está vinculada eminentemente a aspectos encobertos (sentimentos e emoções), as mudanças nem sempre acontecem rapidamente. É o caso de padrões inadequados que perduram por muito tempo e de experiências traumáticas. Relacionamento instável com membros da família, baixa autoestima, abuso sofrido na infância… muitas vezes uma combinação de diferentes processos angustiantes. O paciente consegue enfrentar as dificuldades e estabelecer as mudanças conforme compreende sua própria história e, portanto, sua própria identidade.

Mas gostaria de chamar a atenção para ainda outro tipo de desenvolvimento psicoterapêutico. Há casos de psicoterapia em que mudanças não acontecem. Nessa situação há, claro, a possibilidade de a intervenção não estar alcançando a efetividade desejada. Mas há outra possibilidade de explicação. Pode ser que, na verdade, nenhuma mudança tenha mesmo que ocorrer. A não mudança, nesses casos, é exatamente o ganho obtido na psicoterapia. Mas o paciente não sabe disso antes de algum tempo de angústias exacerbadas pela própria terapia. É o típico caso em que o paciente fica com a sensação de que a terapia não está funcionando.

Lembro-me de um caso em que o paciente iniciou a terapia queixando-se de como se sentia angustiado em função da interação com os pais, que eram muito conservadores e controladores. O pai era bastante preconceituoso e emitia opiniões negativas em relação a tudo. Julgava seus amigos. Um não era boa companhia porque usava roupas estranhas, o outro porque morava num bairro suspeito. Também opinava sobre as escolhas que o filho fazia: “A faculdade que você escolheu não é respeitada”, “Sua profissão não dá dinheiro”. A mãe tinha um temperamento bastante explosivo e procurava manipular e controlar o filho de modo a mantê-lo sempre sob sua influência.

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A primeira etapa da terapia envolveu o cuidado com as mágoas geradas ao longo dos anos de interação com os pais e a busca de mudanças no comportamento do jovem paciente que produzessim as condições para o desenvolvimento de sua autonomia. Ele alcançou essas mudanças de forma satisfatória, entendendo que não poderia apenas queixar-se do comportamento dos pais.

A questão é que, depois de alcançadas as mudanças possíveis, o paciente percebeu que ainda sentia alguma angústia enquanto interagia com os pais. Foi nessa fase que ele pensou: “A terapia não está funcionando”. Por sucessivas semanas ele trazia novas situações de descontentamento com o comportamento dos pais, ainda que não houvesse mais atritos tão frequentes, condição essa fruto das mudanças préviamente alcançadas.

Depois de muitos desabafos, o paciente foi percebendo que não havia mais mudanças a serem buscadas. Ele entendeu que não deveria se esforçar para que seus pais mudassem o modo de pensar e de se comportar. Ele foi, aos poucos, entendendo os limites da realidade. Nesse sentido, parte de sua angústia dissipava-se nas sessões de terapia simplesmente por poder falar sobre os acontecimentos recentes com os pais, simplesmente por olhar para si como que num espelho para o eu. E outra parte da angústia, ele entendeu, não se dissiparia talvez nunca. Pudesse se dissipar por completo, ele deixaria de ser humano. Só que a terapia, esta não serve para desumanizar. Atualmente ele vem para as sessões como um momento seu de se olhar no espelho, de refletir e de simplesmente celebrar algumas de suas angústias e, por isso mesmo, de celebrar a vida.

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