“Justa”, de Newton Moreno: uma dama cheia de caráter
A peça, protagonizada por Yara de Novaes e Rodolfo Vaz, se confirma como exemplo de dramaturgia pronta para surpreender, repleta de pontos de virada
Quase aos 45 minutos do segundo tempo, às vésperas da aposentadoria, um investigador (papel de Rodolfo Vaz) vê cair em seu colo um trabalho capaz de mudar sua vida. Esse é o ponto de partida do drama Justa, escrito por Newton Moreno e dirigido por Carlos Gradim, em cartaz no Sesc 24 de Maio.
O assassinato de um senador corrupto leva o protagonista a um bordel, nos arredores de Brasília. Depois de colher o depoimento da obesa Nordestina, a dona do cabaré, o policial interroga as demais prostitutas que ali ganham o pão para encontrar pistas sobre o criminoso.
Passam por suas entrevistas a meretriz defensora dos direitos da classe, a manca, uma de quase 100 anos que não desiste do prazer e, por fim, Justa, mulher de cara limpa, ética no trabalho, na vida e com os clientes. É o bastante para o sujeito se encantar pela senhora tão incomum e se enredar em uma trama de suspense, logo alimentada por novos homicídios.
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Fator decisivo para o envolvimento do espectador é a interpretação de Yara de Novaes, que, em nova prova de versatilidade, se divide entre todas as personagens femininas. A atriz, brilhante na recente montagem Love, Love, Love, alterna sotaques e olhares e adequa a postura de acordo com as exigências de cada uma das prostitutas. Fica estabelecida uma parceria sintonizada com Vaz, que percorre um caminho mais econômico, narrativo e de diálogo direto com a plateia.
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Justa ainda se confirma como exemplo de dramaturgia pronta para surpreender, repleta de pontos de virada. Se, em um primeiro momento, a peça gira em torno da paixão do policial pela dama cheia de caráter, Moreno a subverte gradativamente, desconstruindo perto da reta final o perfil da personagem-título com novos e polêmicos contornos.
O autor usa a ficção para tratar da degradação do sistema político brasileiro e, de quebra, provoca o público, que costuma ser passivo diante das atitudes abusivas de seus representantes (90min). 18 anos. Estreou em 28/6/2018.
+ Teatro do Sesc 24 de Maio. Rua 24 de Maio, 109, centro. Quinta a sábado, 21h; domingo, 18h. R$ 40,00. Até domingo (22).