Fabiano Augusto, o garoto Casas Bahia, é Ney Matogrosso no teatro: “com ele, não existe licença poética”
O ator paulistano Fabiano Augusto, de 38 anos, dá um show na pele do cantor Ney Matogrosso no musical “Rita Lee Mora ao Lado”, protagonizado por Mel Lisboa no Teatro das Artes, no Shopping Eldorado. Ele surpreende com a performance os 2 000 espectadores que conferem toda semana as apresentações. Na ambição de convencer como […]
O ator paulistano Fabiano Augusto, de 38 anos, dá um show na pele do cantor Ney Matogrosso no musical “Rita Lee Mora ao Lado”, protagonizado por Mel Lisboa no Teatro das Artes, no Shopping Eldorado. Ele surpreende com a performance os 2 000 espectadores que conferem toda semana as apresentações. Na ambição de convencer como o astro da MPB, emagreceu 7 quilos e dá voz para as músicas “Sangue Latino” e “Bandolero”. Formado pelo Teatro-Escola Célia Helena, uma das escolas mais tradicionais da área, Augusto já era um rosto conhecido antes desse espetáculo, mas fora do circuito teatral, graças ao trabalho na publicidade. Fez o primeiro comercial para o McDonald’s aos 15 anos. Foi entre 2002 e 2006, entretanto, como garoto-propaganda da Casas Bahia, que virou celebridade. Nesse período, rodou praticamente um filme por dia, berrando o bordão “Quer pagar quanto?”. A postura agressiva lhe rendeu o que chama de “uma vida confortável”, tanto que, depois de sete anos afastado, voltou aos anúncios em 2013 com uma agenda de gravações mais leve. “É um personagem que fala de igual para igual com o telespectador, como se fosse um Silvio Santos ou uma Hebe Camargo”, diz ele, para justificar a empatia popular. “Com Rita Lee Mora ao Lado, é a primeira vez que pago minhas contas com o teatro e deverá ser assim daqui a alguns anos”, planeja.
+ Confira vídeo do dia em que Rita Lee e Ney Matogrosso viram o espetáculo.
Foi o teatro ou a publicidade que apareceu primeiro na sua vida?
O teatro! Aos 13 anos, eu tive certeza de que ia seguir a carreira artística. Não sabia se como músico, ator, cenógrafo… Eu me formei como ator no Célia Helena aos 17 anos, com registro e tudo. Fiz paralelo ao colégio. Meus pais lutaram contra até o final e tinham razão. Minha mãe é secretaria e meu pai, advogado. Eles nunca foram corujas e exigiram que eu fizesse uma faculdade como garantia, tanto que sou formado em publicidade e propaganda e também em rádio e TV. Eu precisava me sustentar, entende?
Como foi seu comercial de estreia?
Aos 15 anos, fiz meu primeiro comercial como um atendente do McDonald’s. Era o típico adolescente nerd, usava aparelho, magrão, então pegava com facilidade esses personagens nos testes. Fazia pelo menos três filmes por mês e pagava a faculdade. Na época, ainda trabalhava em uma livraria. Depois, eu fui chamado para o programa adolescente “Turma da Cultura”, que foi uma experiência fundamental. A gente fazia TV ao vivo. Éramos cinco apresentadores, entre eles o Luciano Amaral e a Cinthya Rachel. Começou meio infantil e a gente foi crescente, O programa foi ganhando um caráter mais jovem. Em meio ao “Turma da Cultura”, eu fiz duas peças com o Vladimir Capella e, depois, trabalhei com a Soninha Francine, também na TV Cultura. Até que veio o convite para o teste do comercial da Casas Bahia.
E a sua vida mudou completamente, não?
Cara, era uma sexta-feira chuvosa, uma fila enorme para um teste que duraria três minutos. Eu tinha acabado de sair da TV Cultura e precisava de grana. Fui aprovado. Quando comecei, esse personagem era comedido, falava mais devagar e foi virando o que virou. Eu falando quase aos berros, muitas vezes apontando o dedo para a câmera, uma postura agressiva mesmo. Eu observava gente em ônibus, feirante, vendedor ambulante. Era uma época que tinha filme novo todo dia porque cada dia aparecia uma promoção diferente. Eu ficava às vezes 20 horas em estúdio. Tinha um hotelzinho ao lado do estúdio. Eu já dormia lá, nem voltava para minha casa. Começou a ficar muito cansativo. Em 2006, mudou o diretor de marketing da Casas Bahia. Eles queriam ideias diferentes e eu saí fora. Eu estava muito cansado mesmo. Eu tinha abandonado a carreira de ator. Perdi a intimidade comigo mesmo.
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Lembro que você participou de uma mostra de teatro no N.Ex.T…
O Festival de Teatro Grotesco, do N.Ex.T., rolou antes de ir para Nova York. Foi minha volta ao teatro depois da Casas Bahia. Eram onze peças para montar em um mês com onze autores e onze diretores diferentes. Trabalhei com textos do Sérgio Roveri, Hugo Possolo, Mário Viana. Conheci atores sensacionais, como a Lulu Pavarin, gente de escolas e estilos diferentes. Então, eu fui para Nova York. Eu me matriculei em cursos de teatro musical, trabalhei o sotaque e fiz muito backing vocal para discos de latino. Logo que voltei, eu participei das audições do musical “Enlace – A Loja do Ourives” e ganhei um papel. Foram temporadas em São Paulo e Rio de Janeiro. Já tinha voltado a fazer os anúncios da Casas Bahia, mas eles me deram a maior força. Minha agenda estava muito mais flexível. Eu nunca tinha feito um musical, então tudo era muito novo. Eu nunca tinha falado em microfone. O retorno me desconcentrava o tempo todo.
Com o aparece o papel de Ney Matogrosso em sua vida? Você enfrentou muitos concorrentes?
Não. Entrei direto. Nem fiz teste. Já havia trabalhado com o diretor Márcio Macena, que tem uma empresa que monta espetáculos com atores-cantores para eventos. No final do ano passado, o Márcio me convidou para o musical da Rita. Pensei mais como fã do que como ator e topei na hora. Cinco minutos depois, eu pedi um dia para pensar. Fiquei morrendo de medo. Não era um papel para provar para os outros que posso interpretar papéis diferentes. Eu senti que era importante para mim, para eu me convencer de que posso fazer outras coisas. Precisava de um trabalho que me marcasse e que trouxesse de volta o ator, que me tirasse da minha zona de conforto.
Você chegou a ter algum contato com o Ney?
Na semana em que comecei a ensaiar, o Ney estava com show no Sesc Vila Mariana e eu fui lá. Maravilhoso, não? É um artista muito no limite do ridículo e que nunca cai no ridículo. É um cara que tem um respeito muito grande com a arte e com ele mesmo. Terminou o show e fui falar com ele. “Olha, eu vou interpretar você no musical da Rita Lee”, disse. O Ney me olhou com desconfiança e rebateu meio seco: “mas por que vou estar no musical da Rita Lee?”. “Você apresentou o Roberto para a Rita, não?”, respondi. Ele só me olhou e disse: “vem cá, você sabe que não existe licença poética comigo, né?”. Foi aquilo que ficou na minha cabeça. Eu não sou nada parecido com ele, nossas vozes são diferentes. Ele só disse que em outras palavras que era para respeitá-lo. Com ele, não existe licença poética.
Emagreceu 7 quilos, certo?
Pedi a ajuda de uma nutricionista. Foram dois meses terríveis. Ninguém me pediu para emagrecer, mas era uma coisa minha. Eu nunca andei sem camisa na rua e precisava fazer uma cena de strip-tease no palco. Na terapia, eu ficava lá sofrendo… Como vou fazer para ser o Ney. Até que resolvi tratar o Ney como um personagem mesmo. Como se fosse um Hamlet, um Otelo. Eu jamais me atreveria em um mês a dançar como o Ney. Eu preciso mostrar o quanto ele é macho, como ele é mesmo. Aquela energia transmitida por ele no palco, entende?
Como foi o dia em que o Ney viu o espetáculo?
Eu sabia. O marido da Mel Lisboa toca com o Ney e nos avisou. Imagina, o personagem que faço vai me ver! Eu entrei com uma rosa vermelha bem enfiada no meio das pernas. No final da música, eu tirei a rosa, beijei e ofereci para ele, uma coisa bem safada. A gente tinha se falado por telefone semanas antes. Nessa conversa, eu contei para ele uma história que foi muito importante para mim como ator. Eu entrei numa loja de travestis da Rua Augusta para comprar uma fusô e uma bota daquelas que o Ney usa no palco. Nunca tinha andando de salto na vida. As vendedoras me olharam com desconfiança. Quando falei que ia interpretar o Ney Matogrosso, elas abriram um sorriso e me mostraram a loja inteira. Na verdade, eu sou muito tímido. Quando vi, eu estava no meio da loja de fusô e saltão.
Existe um arrependimento no rumo que sua carreira tomou com a superexposição da publicidade?
Qualquer escolha é perder. Eu sempre me culpava porque poderia ter feito outras coisas. Eu ganhei uma segurança financeira e também uma grande experiência de set. Não saio jogando dinheiro pela janela e conquistei uma vida confortável. Há dois meses, no entanto, eu vivo um momento diferente. Com “Rita Lee Mora ao Lado”, é a primeira vez que pago minhas com o teatro e deve ser assim daqui a alguns anos. Estou me organizando para isso.