Conheça Julio Cardoso, o observador de baleias do litoral paulista
Aos 68 anos, ele volta a ser criança com a aparição de jubartes entre Ilhabela e São Sebastião
Acostumado a cruzar com golfinhos e baleias-de-bryde durante suas navegações, o diretor de meio ambiente do Yatch Club de Ilhabela, Julio Cardoso, de 68 anos, deparou com uma cena que chamou sua atenção no início de julho naquele pedaço do Litoral Norte. Primeiro, viu um animal gigante, que saltou e mergulhou rapidamente. Logo depois, surgiram mais dois fazendo o mesmo movimento. Era uma família de jubartes. Nas semanas seguintes, ele passou pela mesma situação outras 26 vezes; em muitas delas, os grupos eram de sete ou oito bichos de uma só vez.
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Ex-presidente de grandes empresas como Sadia e Kibon, Cardoso percorre a região de barco há doze anos em busca de baleias, com o objetivo de fotografá-las e anotar dados que podem ser úteis a pesquisadores da espécie, tais como se são adultas ou jovens, seu comportamento, temperatura da água, local e frequência com que aparecem. Tudo começou como um hobby, mas tornou-se atividade séria depois que ele se aposentou, há seis anos, e assumiu a diretoria do clube.
Até hoje, Cardoso já fotografou e coletou informações de mais de 120 desses mamíferos, o que o transformou em referência no assunto. Biólogos, ambientalistas e pesquisadores da USP o procuram com frequência para obter imagens ou complementos para estudos. Nos últimos dois meses, seu trabalho ganhou ainda mais destaque com o aumento repentino de jubartes na região. “Era raríssimo ver essa espécie por aqui. Eu só tinha observado três delas desde que comecei nessa atividade”, comenta.
As jubartes se reproduzem em Abrolhos, na Bahia. Todos os anos, no verão, saem de lá rumo à Antártida em busca de alimento. No inverno, fazem o caminho inverso, e têm por hábito passar pela costa paulista entre agosto e setembro, em número bem menor. Tanto é que nunca chamaram a atenção dos moradores nem dos turistas. Desta vez, além de anteciparem o retorno, elas resolveram dar uma “paradinha” por aqui, para a alegria dos visitantes, pegos de surpresa pela nova atração.
Na atual temporada, os primeiros exemplares surgiram na região em junho. Em vários pontos de São Sebastião e Ilhabela é possível vê-los das praias, mesmo sem equipamento especial. Duas semanas atrás, trinta passageiros de uma escuna da agência Maremar, em Ilhabela, deram de cara com várias delas ao mesmo tempo. Eles fizeram selfies e postaram fotos nas redes sociais. “Tem gente procurando nossos passeios para avistar os animais, mas não podemos vender o produto afirmando que vai aparecer alguma baleia, é muito imprevisível”, diz Marcos Cará, dono da Maremar.
O número de jubartes vem aumentando na costa brasileira nos últimos anos. Em 2002 eram cerca de 3 000. Hoje, a quantidade mais que quintuplicou, em grande parte devido ao trabalho de organizações de proteção ambiental. Outros fatores explicam a incidência acima da média de aparições no Litoral Norte.
“Houve uma safra recorde de tainha por aqui, o que significa maior oferta de alimento”, conta o oceanógrafo Hugo Gallo Neto. “Além disso, houve diminuição na ocorrência de krill, crustáceo comum no Polo Sul, que é a base da alimentação dos cetáceos.” Mudanças climáticas também podem ter contribuído. “Temos desde 2015 um El Niño atípico, e a temperatura das águas ficou mais baixa”, completa Gallo.
O espetáculo marítimo, no entanto, também teve algumas consequências negativas. Nos últimos dois meses, pelo menos cinco animais apareceram mortos no Litoral Norte, enroscados em redes de pesca ou feridos pelas hélices das embarcações. “Cada incidente desses é uma tragédia”, lamenta Julio Cardoso, que procura sempre manter uma distância segura dos cetáceos quando está em alto-mar.
O navegador, aliás, é prova de que é possível transformar o litoral paulista em ponto de observação responsável de baleias. Com o fenômeno, o diretor do Yatch Club de Ilhabela passou a dar carona em seu barco, o Ballerina, aos estudiosos no assunto interessados em ver o bicho de perto.“Acabei virando uma espécie de cientista da fauna marinha”, brinca. Ele divide seu tempo entre Pinheiros, bairro em que mora com a família em São Paulo, e sua casa em São Sebastião. “A praia de Camburizinho é onde começa minha jornada”, conta.