Em Hamlet (2012), o ator Thiago Lacerda provou potencial e vontade para superar a posição de galã televisivo, na qual não se acomodou. Ao lado do mesmo diretor, Ron Daniels, brasileiro radicado na Inglaterra e especialista na obra do bardo, o artista reencontra as peças do dramaturgo no projeto Repertório Shakesperare. A tragédia Macbeth (110min, 14 anos) e a comédia Medida por Medida (115min, 12 anos) ganham encenações em dias alternados no Sesc Vila Mariana, com um elenco de catorze integrantes, e comprovam que clássicos chegam a esse grau porque não perdem a capacidade de dialogar com as plateias. A disputa de poder é o tema da primeira história, escrita em 1606, e bastante conhecida em sucessivas e irregulares montagens. Ao voltarem de uma campanha, os generais Macbeth (papel de Lacerda) e Banquo (o ator Marcos Suchara) ouvem de três bruxas uma profecia: o primeiro se tornará rei e o segundo será pai de muitos reis. Instigado pela inescrupulosa mulher (a atriz Giulia Gam), Macbeth passa a eliminar todos os que ameaçam seu domínio imediato na Escócia. A dupla Lacerda e Giulia se torna fundamental para a compreensão dos personagens. São intérpretes muito bem dirigidos e com a idade certa para tais. Ele carrega o porte de herói e o semblante de bom moço capazes de reforçar o perfil do tipo cheio de remorsos. A densidade emprestada por Giulia desde sua primeira entrada vai a um crescente perturbador. Da loucura progressiva ao suicídio de Lady Macbeth, a atriz se mostra vigorosa e alimenta a tensão em torno da vilã. O mesmo vale para a presença de Marco Antônio Pâmio, marcante na cena final como o barão Macduff. No caso de Macbeth, as palavras de Shakespeare foram tão buriladas que não chegam excessivamente literárias aos ouvidos do púbico. A intimidade de Daniels com os originais torna o texto palatável sem perder o contexto ou respingar vestígios de vulgaridade. Todos entendem sem esforços os percalços das histórias e as motivações dos personagens. O mesmo vale para a comédia Medida por Medida, de 1604, que, menos conhecida, transita entre a farsa e a sátira para falar de hipocrisia social e política. Alarmado com a imoralidade e a corrupção em sua cidade, o Duque (interpretado por Marco Antônio Pâmio) instaura uma lei que pune com morte qualquer ato que possa ser visto como abuso sexual. Para observar a rotina com isenção, ele se afasta do cargo, assume o disfarce de um frade e deposita nas mãos de seu vice, Ângelo (papel de Lacerda), um falso puritano, a responsabilidade de cuidar da cidade. As contradições começam quando a freira Isabela (vivida por Luísa Thiré) procura Ângelo no desespero de livrar da pena o irmão (o ator Rafael Losso), que engravidou a namorada. Ângelo se encanta e propõe o perdão ao garoto em troca da virgindade da religiosa. A montagem resulta mais arrastada, principalmente por causa dos longos embates entre os protagonistas. A comicidade maior é garantida pelos atores Marcos Suchara, Lourival Prudêncio e Giulia Gam, que divertem o público com um escracho que alivia a verborragia. A dobradinha, no entanto, se faz muito acertada e facilmente identificada com a realidade brasileira. Em comuns, as duas peças apresentam visões diferentes do poder. Enquanto Macbeth traz esses bastidores relacionados aos nobres inabaláveis diante dos plebeus, em Medida por Medida se dá o contrário: são os desfavorecidos que desestabilizam e, de certa forma, apontam um novo caminhos para os dominadores. Com Ana Kutner, André Hendges, Fábio Takeo, Felipe Martins, Lui Vizotto, Stella de Paula e Sylvio Zilber. De 5/11/2015. Até 30/1/2016. De 6/11/2015. Até 31/7/2016.