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“Vivemos uma epidemia de infarto há décadas”, diz Roberto Kalil Filho

Cardiologista do Hospital Sírio-Libanês afirma que sintomas de doenças cardíacas nem sempre são sentidos e que o fator hereditário deve ser levado em conta

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
12 jul 2024, 06h30

Um dos principais cardiologistas do país, Roberto Kalil Filho, 65, que cuida da saúde do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e de outras personalidades do mundo político, empresarial e artístico, como o cantor Gilberto Gil, tem uma rotina que começa às 8h e só termina na madrugada seguinte. Seu único dia de descanso é sábado. “Vou na contramão do que eu prego para meus pacientes”, diz. Ele se refere à necessidade de as pessoas manterem baixos os níveis de estresse, combinada com boa alimentação, exercícios regulares e avaliações periódicas.

A alegação faz sentido. No Brasil, a cada dois minutos, uma pessoa morre em decorrência de doenças cardiovasculares, como AVC, insuficiência cardíaca e infarto. Essa última tem acometido cada vez mais pessoas que geralmente não faziam parte das estatísticas pretéritas. Segundo dados do Ministério da Saúde, na década passada, houve um aumento de 59% nos casos de infarto em pacientes com menos de 40 anos. Independentemente da faixa etária, Kalil afirma que a população em geral, apesar da maior quantidade de informação disponível, não toma os devidos cuidados e não se preocupa com questões como hereditariedade. Leia a entrevista a seguir.

A cada hora, o Brasil registra 1,5 caso de internação por infarto, segundo o Ministério da Saúde. Até recentemente associadas ao envelhecimento, as doenças cardiovasculares aumentaram na década passada 59% entre o público com menos de 40 anos. A que se deve esse índice?

As doenças cardíacas são responsáveis por 20 milhões de mortes por ano em todo o mundo. Olha a tragédia disso. Nos Estados Unidos, há um infarto a cada quarenta segundos. No Brasil, morrem três ou quatro pessoas a cada dez minutos. É uma tragédia. Em relação aos jovens, sempre teve infarto nesse público. A diferença é que os métodos de diagnóstico melhoraram muito. Claro que vemos muito mais casos depois dos 55 anos, mas o jovem também infarta, assim como as mulheres.

Os seus pacientes hoje, em geral, se cuidam mais ou menos do que os de quarenta anos atrás?

Não se cuidam mais, mas a preocupação é maior. O mundo está mais estressante para todos. As pessoas não fazem exercício, não se alimentam direito, fumam, apesar de todas as restrições ao cigarro. É a doença que mais mata no mundo. Vivemos uma epidemia de infarto há décadas, no mundo todo. Mas, se elas se preocupam mais, não deveria haver índices menores de infartos? O problema é a prevenção. Dos brasileiros com diagnóstico de hipertensão arterial, só 30% aderem ao tratamento. Setenta por cento não tomam remédio direito. O mesmo vale para o diabético, para quem tem colesterol alto… E sem falar nesse estresse louco que as pessoas vivem.

Quais são os principais fatores de risco para doenças do coração?

Diabetes, obesidade, sedentarismo, hipertensão arterial, colesterol alto, tabagismo.

E os principais sintomas?

O sintoma clássico é aperto no peito. Não é dor, é suor frio, sensação de aperto, de angústia, que irradia para o braço, deixando-o pesado. Mas então por que as pessoas morrem? Porque há outros sintomas, como dor de estômago. A pessoa sente dor, toma água e passa. Esse é o problema. Os sintomas da obstrução da artéria do coração vão e voltam. A pessoa acha que não era nada e infarta no dia seguinte.

Ou seja, é uma doença traiçoeira?

Sim, muito traiçoeira. Se você pegar 100 pessoas que têm obstrução grave da artéria e não sabem, 50% delas infartam e morrem na primeira manifestação. Os outros 50% detectam no check-up ou começam a ter sintomas e procuram o médico. É muito traiçoeira. Não é sempre que aparece o sintoma. Ou, quando aparece, a pessoa não dá bola.

Quando uma pessoa saudável deve começar a se preocupar com o coração?

Se é hipertenso, diabético, se o pai ou a mãe infartou, tem que começar mais cedo a fazer uma avaliação cardiológica ou clínica. O infarto é uma doença familiar. O fator hereditário é muito importante.

“Dos brasileiros com diagnóstico de hipertensão arterial, só 30% aderem ao tratamento. Setenta por cento não tomam o remédio direito”

Como os cigarros eletrônicos atuam para aumentar o número de doenças cardiovasculares?

O cigarro eletrônico faz tão mal quanto o convencional. Tem nicotina e outras substâncias. A pessoa não deve fumar em hipótese alguma. Não há diferença entre os dois cigarros.

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Há consumo seguro de álcool?

Alcoolismo aumenta o risco de hipertensão arterial, podendo prejudicar o músculo do coração e a incidência de infarto. Álcool não faz bem em excesso. Nada faz bem em excesso.

Mas há consumo seguro de álcool?

Claro que existe. São doses ingeridas de maneira coerente. A pessoa pode beber de forma moderada, mas não pode fumar em hipótese alguma. Cigarro, só o de chocolate, exceto para diabéticos. Como está o coração do presidente Lula e dos ex-presidentes de que o senhor cuida? O presidente é uma pessoa saudável, que se cuida.

Qual sua opinião sobre a descriminalização, por parte do Supremo Tribunal Federal, do porte de 40 gramas de maconha?

A maconha não deve ser utilizada pois faz tão mal quanto o cigarro. O mesmo vale para as outras drogas.

O senhor, que trabalha em diversos hospitais, como o Sírio-Libanês e o InCor, e atende a vários pacientes por dia, consegue manter uma rotina saudável e cuidar bem do seu coração?

Minha rotina vai na contramão do que eu prego para os meus pacientes. Tenho uma vida desregrada, começo a trabalhar às 8h e vou até 1h do dia seguinte. Só no sábado é que eu consigo descansar. Domingo eu trabalho normalmente. Mas eu amo a minha rotina.

Publicado em VEJA São Paulo de 12 de julho de 2024, edição nº2901

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