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“Na hora, pensei no pai da criança”, diz GCM que atirou em menino

Em treze anos como guarda-civil, Caio Muratori, 43, nunca havia atirado em serviço

Por Sergio Quintella
Atualizado em 27 dez 2016, 16h57 - Publicado em 29 jun 2016, 21h47

Responsável pelos disparos que atingiram um menino de 11 anos durante uma perseguição no último domingo (26), o guarda-civil Caio Muratori, 43 anos, falou à VEJA SÃO PAULO sobre o incidente.

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Waldik Gabriel Chagas, apelidado Biel, foi baleado na cabeça após uma perseguição em Cidade Tiradentes, Zona Leste da capital. A equipe da Guarda Civil Metropolitana (GCM) fazia uma ronda pela região quando foi abordada por motoqueiros que disseram ter sido assaltados por homens que estavam em um Chevette prata. O veículo não teria obedecido a ordem de parada e foi atingido por quatro tiros. Muratori afirmou à polícia que atirou após os passageiros dispararem contra a viatura, mas os dois guardas que estavam com ele não confirmaram a versão.

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Em depoimento à Polícia Civil, os adolescentes que acompanhavam o menino admitiram tentativa de fuga em alta velocidade, mas disseram não estar armados. “Só queríamos dar um rolê na quebrada. A gente ia para uma quermesse. Depois, ia estacionar o carro na rua. O dono iria pegar o Chevette de volta”, disse o mais velho do trio.

Após o incidente, o guarda foi preso em flagrante por homícidio culposo e teve a fiança de 5 000 reais paga pelo pai, um policial civil aposentado. Muratori afirma que todos os disparos foram direcionados aos pneus do veículo. “Um dos tiros deve ter ricocheteado no asfalto e atingido o menino que estava atrás”, diz. Em treze anos atuando como GCM, ele nunca havia atirado em serviço. 

Como foi a perseguição?

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Estávamos na ronda quando fomos abordados por uma moto, com dois indivíduos. Um deles dizia que o carro à nossa frente era roubado. Acionei a sirene, liguei o giroflex, mas eles aceleraram. Durante todo o trajeto, de cerca de dois quilômetros, informei à Cetel (Central de Telecomunicações e Videomonitoramento da GCM), que acompanhou nosso trabalho. Em nenhum momento eles disseram para abortar a perseguição ou chamar a PM. Pedi reforço e me informaram que outro carro estava a caminho.

Como as ruas eram esburacadas e havia muitas valetas, o carro chacoalhava bastante. Quando paramos na Rua Regresso Feliz, em Guaianases, eles deram um cavalo de pau. Ao virar a esquina, a viatura colidiu com dois carros parados no semáforo. Nesse momento, houve um disparo vindo do Chevette, feito pelo passageiro. 

Apesar de o vidro dele não abrir, ele deve ter atirado, com a mão esquerda, pelo quebra-vento, a uma distância de cerca de cinco metros da nossa guarnição. Só vi o clarão e ouvi o barulho. Nesse momento, efetuei quatro disparos, todos no pneu. Um dos tiros deve ter ricocheteado no asfalto e atingido o menino que estava atrás. Os dois que estavam na frente saíram correndo. Um dos guardas foi atrás do motorista, que correu para uma rua vizinha. O outro escapou para uma quermesse. Quando entrei no Chevette, vi o menino caído no assoalho. Pensei em chamar uma ambulância, mas resolvi levá-lo ao hospital, onde ele morreu.

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Como você se sentiu quando viu o menino ensanguentado?

Sou pai, tenho três filhos (quatro, sete e dezesseis anos). Na hora, pus as mãos na cabeça e não acreditei no que vi. Parecia uma criança de cinco, sete anos. Falei: vamos socorrer essa criança. Nesse momento, esqueci qualquer protocolo de atendimento, coloquei ele no carro e saímos. Eu não tinha como saber que ele estava no banco de trás, pois os vidros eram muito escuros.

Vocês recebem orientação de que é para fazer perseguições em caso de flagrantes? E atirar no pneu, é correto?

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No momento em que somos chamados, como ocorreu com o motoqueiro, não podemos dizer não. Não posso virar as costas. Perseguições não são rotineiras no nosso trabalho. Sobre atirar nos pneus, foi determinação minha. Queria fazer o carro parar porque havia 80, 100 pessoas numa quermesse lá perto. E se o motorista, que não sabíamos se tratar de um adolescente, jogasse o carro no meio do pessoal?

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O que você tem a dizer para a família do menino?

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Sou pai, sei como eles estão sofrendo. Sinto muito. Na hora, me vi como pai da criança. Foi um acidente de trabalho.

Você atiraria novamente nos pneus?

Sim. Teria atirado de novo. Nunca tinha efetuado disparos em serviço. Já atuei em manifestações e na Cracolândia.

Recebeu algum apoio dos colegas e do comando da guarda?

Dos colegas, sim, todos perguntam se eu preciso de algo. Com exceção dos dois que estavam comigo no carro e mentiram descaradamente na delegacia (ambos disseram que não ouviram barulho de tiro ou “clarão”). Até o delegado disse que eu estava sozinho na história. Quanto ao comando, ninguém falou comigo depois.

E você, precisa de algo?

Sim, de sossego. Estamos sofrendo ameaças, meu telefone não para de tocar. Estou escondido, não posso aparecer em casa. Isso não vai acabar tão cedo. Saí de casa como um policial exemplar e voltei graças a um alvará de soltura. Exerci apenas a minha função.

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