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Por Arnaldo Cheixas
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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Falar e ouvir

A maioria de nós já participou de conversas acaloradas sobre diversos assuntos. Política, esportes, relacionamentos, fé, filosofia etc. são assuntos recorrentes em conversas assim. Assuntos mais privativos vez por outra também são tratados em conversas acaloradas, como é o caso de reuniões de condomínio e corporativas, resolução de pendências com amigos, vizinhos e familiares e […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 22h00 - Publicado em 13 Maio 2014, 21h24

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A maioria de nós já participou de conversas acaloradas sobre diversos assuntos. Política, esportes, relacionamentos, fé, filosofia etc. são assuntos recorrentes em conversas assim. Assuntos mais privativos vez por outra também são tratados em conversas acaloradas, como é o caso de reuniões de condomínio e corporativas, resolução de pendências com amigos, vizinhos e familiares e assim por diante. Às vezes temos coisas a resolver numa conversa. Mas às vezes estamos só exercitando a discussão de opiniões sobre o que quer que seja, sem maiores implicações. De qualquer modo é importante equilibrar o falar e o ouvir para que uma conversa seja proveitosa. Além de equilibrar esses dois comportamentos, é também importante que eles aconteçam com qualidade. Se falarmos por falar nosso discurso tende a se tornar vazio. Do mesmo modo, se ouvirmos sem atentar para o que está sendo dito não aproveitamos de fato o conteúdo que nos é dado. Já testemunhei longas conversas nas quais percebia que um não escutava o outro de fato. Já me vi também em situações assim como protagonista. Essa postura tem a ver com nossa cultura ocidental. Valorizamos pouco o silêncio, daí nossa dificuldade em ouvir e em economizar nas palavras. Para que isso seja diferente, é preciso vontade de mudar e, como quase tudo que tem a ver com bem estar, trata-se de fazer menos e não mais. Por que há ocasiões nas quais temos dificuldade em ouvir?

O diálogo entre duas ou mais pessoas é uma interação que depende de vários comportamentos, alguns explícitos e outros encobertos. São comportamentos explícitos o olhar em direção ao interlocutor, expressões faciais, gestos corporais e a própria fala. Ouvir o que é dito pelo interlocutor (atentar), interpretar os gestos emitidos por ele e pensar sobre o que é ouvido são comportamentos encobertos, já que não podem ser atestados apenas pela observação. Os comportamentos explícitos emitidos pelo interlocutor servem como estímulos discriminativos que nos possibilitam inferir os comportamentos encobertos que os acompanham bem como o que é sentido por ele durante a interação. Por exemplo, se alguém chora enquanto nos fala algo, podemos observar explicitamente sua fala bem como as lágrimas e soluços que a acompanham. Ao combinar nossa interpretação sobre esses comportamentos explícitos podemos inferir, por exemplo, que nosso interlocutor esteja triste. A tristeza em si é invisível (ela, na verdade, é só o nome que damos para o conjunto de sentimentos e sensações que as pessoas experimentam sob certas condições).

Durante uma conversa temos a concorrência de todos esses comportamentos. Destacam-se entre todos eles a fala e a escuta porque elas são os mecanismos através dos quais é transportado o conteúdo linguístico a ser compartilhado. Os demais comportamentos (postura, gestos, tonalidade da voz) são acessórios da linguagem verbal falada e servem para modular o conteúdo da fala durante a comunicação. Se você tentar participar de um diálogo com um estrangeiro no qual um não fala a língua do outro você terá de usar gestos (comportamentos acessórios) para fazer-se entender minimamente. Isso demonstra a importância da fala, cujo sentido se efetiva com a audição atenta pelo outro.

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É importante ressaltar que há sistemas de linguagem que dispensam a fala oral, como é o caso das línguas de sinais utilizadas por surdos e mudos no mundo todo. O código brasileiro é a língua brasileira de sinais (LIBRAS), que não se trata de uma versão gestual da língua portuguesa mas, na verdade, de uma língua em si com um sistema gramatical próprio. Como numa conversa falada oralmente, um diálogo que ocorra por meio de uma língua de sinais tem um conteúdo que é transmitido por meio dela. Quando o emissor transmite uma mensagem, o receptor precisa atentar ao que é transmitido para que possa compreendê-la, do mesmo modo como ocorre numa conversa oral. A diferença está basicamente nas modalidades sensoriais e motoras envolvidas na intercomunicação. Uma conversa oral depende da audição e de mecanismos motores de fala. Uma conversa por LIBRAS depende, diferentemente, da visão e de movimentos dos membros superiores e expressões faciais. Assim, os envolvidos na conversa se alternam nos papeis de emissor e receptor do mesmo modo como ocorre em conversas orais.

Genericamente, podemos dizer que uma boa intercomunicação depende de um equilíbrio entre emissão e recepção de conteúdo. Se só emitirmos conteúdo, não teremos acesso à interpretação de nosso ouvinte nem ao seu modo de pensar a respeito do assunto tratado. Se só formos receptores passivos não poderemos tampouco compreender o que nos é dito.

Quando falamos sem critério e quando ouvimos sem efetivamente prestar atenção ao que é dito é porque nosso comportamento (tanto o de falar quanto o de escutar) está sob controle de fatores que, na verdade, não deveriam regular nossa interação com o outro.  Podemos falar para parecermos inteligentes aos demais e podemos ouvir para parecermos interessados. Nossa fala e nossa audição deveriam estar sob controle do conteúdo discutido. Quando alguém nos diz algo é importante escutarmos até o final de sua fala. Quando o interlocutor termina de falar é também importante absorvermos o que foi dito antes de emitirmos nossa própria fala. Isso toma alguns segundos, o que significa que algum silêncio entre uma fala e outra provavelmente acontecerá. Infelizmente estamos mais habituados a falar por falar e a ouvir por ouvir. Estamos mais preocupados com o controle social que julga nossa capacidade de verbalização e nossa capacidade de imobilidade enquanto o outro fala e menos preocupados com a compreensão do que nos é dito. Enquanto nosso interlocutor está falando a gente já está elaborando nossa próxima fala que, obviamente, é muito mais legal. Duas pessoas podem passar horas interagindo assim sem que, de fato, uma tenha conversado com a outra.

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Rubem Alves tem uma crônica interessante a esse respeito chamada “Escutatória”. Ele corrobora essa percepção de que gostamos mais de falar do que de ouvir lembrando que é fácil encontrar cursos de oratória e que nunca conseguiu achar um curso de escutatória. Aprender a falar realmente depende de aprender a escutar primeiro. Quanto mais hábeis somos em escutar, igualmente nos tornamos hábeis em falar. Quem escuta consegue falar com mais efetividade. Quando não ouvimos, vamos nos tornando oradores  de discursos vazios.

Um bom começo nesse exercício de aprendizagem é combinar duas estratégias: 1 – deixar o interlocutor falar sem interrompê-lo (mesmo que você esteja conversando com alguém que normalmente fala bastante, já que a tendência é que ele vá modulando aos poucos sua própia fala ao perceber que você não disputa com ele o tempo de discurso) e 2 – digerir minimamente o que foi ouvido antes de dizer qualquer coisa em resposta.

Outra prática que ajuda a entender a dinâmica das falas é observar o comportamento das pessoas durante conversas em grupos maiores (como reuniões familiares e de amigos). Avalie o quanto as pessoas ouvem efetivamente umas às outras e o quanto estão apenas reproduzindo padrões automatizados de fala e escuta. Você vai se surpreender ao perceber como é fácil testemunhar conversas vazias. Essa surpresa fatalmente nos ensina a observarmos nossos próprios hábitos.

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Bom treino! Boa audição! Bom papo!

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