Álamo Facó redimensiona o amor em “Mamãe”: “Eu era um filho rebelde e, antes da doença, a chamava de Marpe”
Álamo Facó escreveu e protagoniza o monólogo dramático “Mamãe” baseado em um período doloroso. O ator carioca, de 35 anos, retrata os três últimos meses de vida da arquiteta Marpe Facó (1947-2010), sua mãe, vitimada por um tumor cerebral. Dirigida por Facó e César Augusto, a montagem pode ser vista no Auditório do Sesc Pinheiros, de quintas […]
Álamo Facó escreveu e protagoniza o monólogo dramático “Mamãe” baseado em um período doloroso. O ator carioca, de 35 anos, retrata os três últimos meses de vida da arquiteta Marpe Facó (1947-2010), sua mãe, vitimada por um tumor cerebral. Dirigida por Facó e César Augusto, a montagem pode ser vista no Auditório do Sesc Pinheiros, de quintas a sábados, às 20h30, com ingressos a R$ 25,00, até 6 de agosto.
Quando a dor e a tristeza podem ser transformadas em arte?
Quando, no artista, a dor não dói mais e torna-se propulsora de uma transformação. Há em mim o desejo de entender o ser humano e sua complexidade. Quando vivi algo tão relevante e tão comum a todos como a morte de um ente querido, senti uma enorme necessidade de expor meu olhar sobre como lidamos com o doente terminal e as limitações da medicina clássica. Eu precisei falar sobre os tabus que permeiam a morte. O que eu estava vivendo era muito relevante, urgente e precisava ser compartilhado.
A sua mãe foi a primeira grande perda que você enfrentou na vida?
Antes dela, perdi minha avó, mãe dela, para o mesmo tumor, o glioblastoma multiforme.
Como foi o seu processo de criação?
Já no hospital, quando vi minha mãe perder suas faculdades, comentei com o Enrique Diaz (ator e diretor) que iria fazer um texto que desse voz ao que estava se passando na cabeça dela. Escrevi quase metade da peça e mostrei para a Dandara Guerra, minha ex-mulher. Depois, numa outra etapa, fui até o final do texto e selecionei as músicas que tocam na peça hoje. A partir do momento que criei o final, senti muita necessidade de mostrá-la. Então, eu li na casa de muitos amigos, consegui me apresentar na galeria do Teatro Sérgio Porto e no Tempo Festival, no Rio. Nessa etapa, pude trocar com a plateia e perceber que havia algo muito potente ali, porém não infalível.
Quais cuidados você tomou para o filho não sufocar o artista, quero dizer, para que o texto ganhasse um interesse amplo?
Como dramaturgo, eu sempre prezei o encontro com o espectador como uma das prioridades. Então, desde o início, sabia que a história de minha mãe teria que ser a história de cada um que senta no teatro. Tudo que é vivo nasceu de algo. Cresci na década de 90, vendo todos os filmes em cartaz. Em “Mamãe”, há também a influência dos roteiros desses filmes. Em vinte minutos de película, muitas vezes já está criada uma relação de anos com o espectador.
Como é separar minimamente o artista do filho a cada noite, na hora de apresentar o espetáculo, para não desabar, para não sofrer demais?
A peça é claramente inspirada em minha vida pessoal, mas minha escrita é também a de um escafandrista. Não sofro em cena. Nem durante os dias de espetáculo. Aconteceu, sim, muitas vezes, de me emocionar com lembranças ou com a história de algum espectador, no final da apresentação. O cérebro trata de nos fazer esquecer esses períodos difíceis, para seguirmos adiante. E aí vem o artista e vasculha tudo de novo. Depois de minha mãe, já perdi alguns amigos para a mesma doença. A morte em si, não me comove. Mas a forma aviltante como essas pessoas morreram me deixou sempre muito comovido.
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Nesses cem dias que você ficou ao lado de sua mãe, o que teve de diferente na convivência de vocês?
Eu era um filho rebelde e, antes da doença, a chamava de Marpe. Mas havia entre a gente uma admiração recíproca. Quando ela ficou doente, eu vi aquele momento, ingenuamente, como uma injustiça do destino. Ela espalhava o bem por onde passava. Foi uma das fundadoras da revista “Ocas”, por exemplo, que recupera a dignidade de moradores de rua. E era dura de grana. Fazia isso para ajudar mesmo. Eu, por outro lado, sempre me comovi muito com as injustiças alheias. Eu me inflamava. Mas, dessa vez, a vítima era minha mãe. Eram muitas invasões hospitalares. Você entra no hospital e vira um número. Assim como lutamos hoje por leis que permitam que a mulher decida o que quer fazer com seu corpo, chegará o dia em que voltaremos nossos olhares para a medicina clássica e reivindicaremos leis que nos permitam opinar, de alguma forma, em como queremos viver nossos últimos meses de vida.
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Você tentou de alguma forma recuperar o tempo perdido, procurou encontrar momentos de felicidade no que fosse possível?
Com a Marpe, procurei fazer daquele período algo muito animado. Isso era extremamente contraditório e teatral. Eu projetava filmes do Gene Kelly no teto do hospital e colava cartazes de peças na parede do quarto. Colava tudo que achasse belo: uma mandala, uma onda no mar, um girassol, tudo. E eu disse que iria contar sua história. Nesse período, ela só conseguia pronunciar uma palavra. Todas as outras eram impossíveis de organizar a língua. Então, Marpe ouviu que eu contaria aquilo tudo e respondeu: “Show!”.
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