“Minha Vida Está em Meus Versos” e a beleza de Wislawa Szymborska
Deveria botar banca e abrir o texto falando da escritora polonesa Wislawa Szymborska (1923-2012) depois de uma rápida pesquisa na Internet? Não, não deveria. A verdade é que desconhecia seus poemas, confesso. Já tinha ouvido falar de seu nome, do Nobel recebido em 1996 e quase nada mais. Até que chegou a São Paulo o […]
Deveria botar banca e abrir o texto falando da escritora polonesa Wislawa Szymborska (1923-2012) depois de uma rápida pesquisa na Internet? Não, não deveria. A verdade é que desconhecia seus poemas, confesso. Já tinha ouvido falar de seu nome, do Nobel recebido em 1996 e quase nada mais. Até que chegou a São Paulo o Áreas Coletivo de Arte com o espetáculo “Minha Vida Está em Meus Versos”, que ocupa um espaço da Livraria da Vila da Alameda Lorena divulgado como Teatro até 26 de outubro. E fui lá, entusiasmado por várias razões. As primeiras delas ainda não diziam respeito às palavras de Wislawa Szymborska.
O trabalho inaugural dessa companhia carioca, fundada pelas atrizes e diretoras Maria Silvia Siqueira Campos, Miwa Yanagizawa e Liliane Rovaris, me bateu forte. Apresentado no Sesc Belenzinho entre maio e junho, o drama “Breu” tratava da ditadura militar de uma forma intimista e pungente, muito valorizada pela encenação – praticamente na escuro total – e pelo trabalho das protagonistas, Kelzy Ecard e Natália Gonsáles. A própria Natália aparece no elenco de “Minha Vida Está em Meus Versos”, ao lado de Miwa Yanagizawa, uma atriz com quem simpatizo muito – apesar de não conhecê-la pessoalmente – por sua naturalidade em cena. Outro motivo seria conferir o tal teatro da Livraria da Vila da Lorena. Era domingo de eleição, o trânsito parecia pesado. Peça perto de casa facilita a vida.
Mas vamos ao que realmente interessa. O espectador entra no auditório como se pisasse em uma sala de visitas. Miwa e Natália estão por lá. Como boas anfitriãs, elas cumprimentam o público, uma música é ouvida ao fundo, tudo muito informal. Livros espalhados pelo chão, um aparelho de tevê. A dupla dá início ao diálogo, cara a cara com talvez duas dezenas de espectadores. Wislawa Szymborska serviu de base para a encenação. Não apenas a escritora, mas também a mulher que atravessou praticamente todo o século XX e se foi em fevereiro último. De livros em punho, Miwa e Natália jogam poemas ao ar. Capture-os quem estiver a fim. Em meio as suas interpretações pessoais da obra, elas desvendam traços da personalidade de Wislawa, tomam – e oferecem – cafezinho e vodca, além de exibirem alguns vídeos. A trajetória de um homem contada através de um filme norteia a montagem. O sujeito guarda lembranças da infância, durante a II Guerra Mundial, e da imigração para um país distante, o Brasil. E mais poemas são lidos. E mais um pouco de Wislawa é desvendado. Nessas alturas, eu já estou profundamente interessado em descobrir mais sobre o que essa polonesa publicou.
Fiquei o tempo todo esperando a hora em que as atrizes começariam a dramatizar personagens relacionados à escritora. Ou quem sabe buscariam uma interpretação para a própria, cigarro entre os dedos, voz firme. Indo mais longe – como no espetáculo “Nãotemnemnome”, visto ano passado no Sesc Pompeia –, pensei que elas colheriam depoimentos da plateia para construir outras histórias. Não. “Minha Vida Está em Meus Versos” é como um sarau. Não espere um espetáculo teatral, com uma dramaturgia de início, meio e fim, com atrizes transformadas em criaturas. Trata-se do primeiro de uma série de trabalhos em que o coletivo pretende dialogar com a obra de escritores. E deve ser essa a proposta de Maria Silvia, Miwa, Liliane e Natália. Pensando dessa forma, elas me convenceram. Não como teatro, mas… Posso dizer que conheci finalmente alguma coisa sobre Wislawa Szymborska e tenho muito mais sobre ela para descobrir. Fez-se a arte. Então, vamos aos livros e ponto final.