Crianças recebem fígado doado pelas mães, mas fila de transplante é longa
Com três anos de idade, Maurício e Juliana conseguiram o transplante por meio de parceria do SUS com Sírio Libanês neste ano
Duas crianças receberam de suas mães um “presentão” neste ano: um fígado. Maurício Amorim tinha apenas 5 meses quando foi internado em razão de uma pneumonia. Complicações exigiram tratamento com antibióticos, que deixaram seu fígado sobrecarregado. Foram alguns anos de acompanhamento médico até que, no último mês de abril, veio a notícia: a criança, então com 3 anos, precisaria de um transplante de fígado.
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O procedimento foi realizado em 19 de setembro e sua mãe, Josiane Oliveira, foi a doadora. A apreensão foi grande, mas “deu tudo certo”, ela comemora. A família é de Bastos, no interior de São Paulo, mas a criança vinha sendo tratada no Hospital Infantil Menino Jesus, na capital, e a cirurgia foi feita na cidade.
Juliana Moreira Britto também tinha pouco tempo de vida quando se viu em meio a hospitais, médicos e exames. Em 2021, ela foi diagnosticada com tirosinemia tipo 1, síndrome de Fanconi e raquitismo, com a posterior notícia de que precisaria de um transplante de fígado. A cirurgia foi realizada em março deste ano, e teve sua mãe, Bianca Britto, como doadora. “Agora está tudo bem, ela consegue se alimentar bem, porque antes não podia comer nada por causa da tirosinemia. Ela vai continuar tomando os imunossupressores, mas a vida dela vai ser normal daqui pra frente”, afirma Bianca. Os transplantes dos dois foram feitos no Hospital Sírio-Libanês, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, uma parceria do Ministério da Saúde com hospitais privados de referência que possibilita a realização de tratamentos e procedimentos complexos de forma gratuita para pacientes do SUS.
Eduardo Antunes da Fonseca, diretor do Departamento de Transplante de Fígado do Sírio-Libanês e do A.C. Camargo Câncer Center, explica que esse tipo de transplante pode ser feito de duas maneiras. “O doador falecido precisa estar em morte encefálica, mas com o coração ainda batendo. Então existe a perfusão sanguínea de todos os órgãos, que estão viáveis para transplantar. No transplante com doador vivo, uma parte do fígado é retirada desse doador e implantada em um receptor. Habitualmente, esse tipo de transplante é feito mais de adulto para criança, porque a porção que você vai retirar do fígado do adulto é muito pequena e não vai trazer nenhum prejuízo para o doador”, explica.
O especialista diz que nunca houve nenhuma morte do doador nesses transplantes, mas existe um risco, ainda que baixo. Para quem recebe, há uma complexidade técnica maior com doador vivo, porém nesses casos o tempo que o órgão fica fora do corpo humano é menor, o que aumenta as chances do fígado funcionar bem logo de cara em quem o recebe. Antes da cirurgia, doador e receptor passam por diversos exames — se o doador tiver alguma complicação que afete o fígado, não pode doar. Bianca, mãe de Juliana, contou que precisou emagrecer 16 quilos antes do procedimento.
Por causa da compatibilidade, geralmente as doações são feitas entre familiares, especialmente de pais para filhos. A fila do transplante no Brasil é longa: há uma necessidade estimada em torno de 5 200 transplantes de fígado por ano, segundo dados do Ministério da Saúde. Mas, em 2021, foram apenas 2 033 procedimentos do tipo. “Os doentes ficam na fila, alguns morrem esperando por um órgão, outros têm progressão da doença e acabam perdendo a indicação ao transplante. A gente diminui essa diferença da necessidade e dos transplantes realizados aumentando o número de doadores falecidos”, afirma o médico. No Brasil, em 2021, havia quinze doadores por milhão da população, mas a necessidade gira em torno de mais de trinta doadores por milhão.
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Publicado em VEJA São Paulo de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810