Ofensiva policial quer acabar com flanelinhas ilegais
Em três meses, foram presas mais de 600 pessoas que atuavam irregularmente como guardadores de carros
Quarta-feira (25), 19 horas, Estádio do Pacaembu. Da calçada da Rua Itápolis, dois homens sinalizam para os motoristas a presença de vagas. Uma Paraty cinza encosta e ouve: “Dez reais!”. É a deixa para que dois agentes do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC) desçam do veículo de arma em punho e abordem o guardador de carros.
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“Você tem registro para atuar dessa forma?”, pergunta um dos investigadores. “Não”, responde o suspeito. “Então, está preso!” Naquela noite, antes do jogo entre Corinthians e Cruzeiro, pelo Campeonato Brasileiro, outros seis homens foram detidos — dos sete, cinco tinham antecedentes criminais. Era mais uma noite de trabalho da Operação Flanelinha — uma parceria das polícias civil e militar para combater a atividade irregular na capital.
Desde maio, as forças de segurança realizaram 46 batidas no entorno de locais como o Pacaembu e o Mercado Municipal, na Sé. De lá para cá, 604 pessoas acabaram presas por exercício ilegal da atividade. Destas, um terço tinha passagem pela polícia por crimes como homicídio, tráfico de drogas e roubo.
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“Existe pouca gente na praça com o devido registro, a maioria é ilegal e há muitos bandidos infiltrados nessa área”, diz Fernando Shimidt, delegado do DPPC. “Acredito que, com esse tipo de ação, evitamos que crimes mais graves sejam cometidos contra os proprietários dos veículos.” Nas operações recentes, os detidos são liberados após assinarem um Termo Circunstanciado (uma espécie de flagrante para casos de contravenção). Os processos seguem à Justiça e os réus ficam sujeitos a pegar de quinze dias a três meses de prisão.
De acordo com uma lei federal de 1975, o guardador de carros precisa ter um cadastro no Ministério do Trabalho para exercer o ofício. O interessado deve fornecer ao órgão uma série de documentos, desde carteira de identidade até certidão negativa de cartórios criminais — ou seja, se for foragido da Justiça ou tiver cumprido pena recentemente, fica impedido, teoricamente, de atuar nas ruas.
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Quem vive nas grandes cidades brasileiras sabe que a regra é solenemente ignorada. Ficou impossível comparecer a espetáculos na metrópole ou a locais de concentração de comércio sem ser incomodado pelos flanelinhas. Os moradores acabam reféns de preços extorsivos (veja o quadro abaixo) e ameaças da turma. Em todo o estado de São Paulo, há apenas 772 pessoas legalizadas. Desse total, estima-se que 70% atuem na capital (540 pessoas, portanto). A quantidade é insignificante perto do número real. “São milhares na cidade”, reconhece Shimidt.
O problema saiu do controle das autoridades por falta de fiscalização. Para se ter uma ideia, blitze como as atuais não eram realizadas por aqui havia quatro anos. O susto com as operações policiais levou muitos flanelinhas à Delegacia Regional do Trabalho. Em três meses, cerca de 150 pessoas passaram por lá para dar entrada na documentação. Destas, 24 já conseguiram o registro. “Há desde homens que complementam o orçamento recebendo trocados aqui e ali, até gente que fatura 4.000 reais por mês, caso de alguns que agem no entorno de estádios”, afirma o delegado Shimidt.
Para alívio dos motoristas, o cerco aos ilegais gerou alguns avanços. Os flanelinhas sumiram das redondezas do Consulado dos Estados Unidos, em Santo Amaro, alvo de uma batida recente. Em muitos casos, infelizmente, o efeito é temporário. Na região dos campos de futebol, existem pessoas que foram presas mais de cinco vezes e seguem atuando no mesmo local — a ponto de reconhecerem os policiais e fugirem ao avistá-los. Além disso, em bairros como a Vila Madalena, o esforço de repressão nem sequer começou (a região deve receber operações até o fim do ano).
Considerando os valores que podem ser obtidos nas regiões mais nobres da metrópole, não é de espantar que existam pessoas vivendo há décadas do ofício. Em alguns casos, vira até negócio de família. O flanelinha Gildo Rogério e seu sobrinho Alex Menezes, por exemplo, fazem parte de um clã que trabalha na área do Mercado Municipal há quatro décadas. A dupla, devidamente legalizada, fica com a chave dos veículos de seus clientes, estaciona-os nas vagas disponíveis e troca a folha de Zona Azul sempre que necessário. Eles ganham cerca de 1.000 reais por mês. O negócio é ruim, portanto, apenas para a grande maioria dos paulistanos, obrigados a conviver com esse absurdo todos os dias.
O saldo do cerco
Desde maio, foram realizadas 46 operações
604 pessoas acabaram presas por exercício ilegal da profissão de guardador
229 detidos tinham passagem pela polícia por crimes como homicídio e roubo
150 flanelinhas procuraram a Delegacia Regional do Trabalho para adquirir o registro necessário à função
24 homens conseguiram regularizar sua situação
Fontes: Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC) e Polícia Militar
Máfia das vagas
Os guardadores de carros chegam a cobrar mais que a metade do preço de estacionamentos bem localizados
Consulado dos Estados Unidos
Flanelinha: 10 reais
Estacionamento: 25 reais*
Estádio do Pacaembu
Flanelinha: 15 reais
Estacionamento: 30 reais
Mercado Municipal
Flanelinha: 20 reais
Estacionamento: 18 reais*
Teatro Sérgio Cardoso
Flanelinha: 15 reais
Estacionamento: 20 reais
Vila Madalena
Flanelinha: 10 reais
Estacionamento: 15 reais
*O preço se refere à primeira hora