Grandes impressões
Artistas brasileiros têm venda recorde no exterior e entram na mira de curadores de feiras e museus internacionais
Em fevereiro, um dos principais curadores de arte do mundo viajou dez dias pelo interior do Brasil garimpando trabalhos para a próxima exposição em Paris. Não foi a primeira incursão do diretor-geral da Fundação Cartier para Arte Contemporânea no país, mas a derradeira de uma série iniciada em novembro. Responsável pela primeira mostra individual da carioca Beatriz Milhazes na capital francesa — em 2009, na sede da entidade, no Boulevard Raspail —, Hervé Chandès buscava algo inédito para o olhar estrangeiro. Encontrou no Espírito Santo, no Vale do Jequitinhonha e em Sergipe o que procurava. Intitulada Histoires de Voir, Show and Tell (algo como “histórias de ver, mostrar e contar”), a exposição que abre neste mês terá óleos de Neves Torres, esculturas de barro de Izabel Mendes da Cunha e figuras de madeira de Véio, apelido de Cícero Alves dos Santos. São artistas naïfs, que produzem peças ditas primitivas, cuja falta de perspectiva ou excessiva simplicidade não raro as torna incapazes de seduzir o olhar nacional. “O diálogo entre arte contemporânea e popular no país é único”, afirma Chandès. O curador acaba de somar às mais de 1 000 obras da coleção o quadro O Paraíso, tornando Beatriz Milhazes o novo nome entre os mais de 300 artistas a “morar” na instituição parisiense ó ela também está nos acervos do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, e do Reina Sofía, em Madri.
Desde o começo, em 1984, a fundação mantida pela joalheria francesa, por onde passam anualmente 200 000 visitantes (o Masp, campeão de visitações em São Paulo, recebe cerca de 700 000 pessoas), pauta-se por um único critério: não seguir regras. A liberdade transformou o julgamento da Fundação Cartier sobre o que é relevante hoje nas artes em “lei” para a cena internacional. E a cena está a favor dos brasileiros.
No último ano, artistas tropicais — contemporâneos e neoconcretos, geração dos anos 60 cujos expoentes são a mineira Lygia Clark, a fluminense Lygia Pape e o carioca Hélio Oiticica — entraram na mira dos principais museus de fora. Na mais recente lista de aquisições, doações e empréstimos da Tate Gallery, de Londres, figuram Oiticica, Lygia Clark e a suíça (radicada em São Paulo) Mira Schendel, mas também os cariocas Cildo Meireles (64 anos) — nome-chave da produção seguinte aos neoconcretistas —, Ernesto Neto e Adriana Varejão, além do paulistano Vik Muniz — estes nascidos nos anos 60. O MoMA planeja para 2013 uma retrospectiva de Lygia Clark. Mas abriu, em novembro, um espaço no 2º andar para a instalação de tecido, luz e música ao vivo A Soma dos Dias, de Carlito Carvalhosa (paulistano nascido em 1961), vista em 2010 na Pinacoteca do Estado de São Paulo. A criação de um comitê de aquisições de arte latino-americana no Centro Pompidou, em Paris, vai acirrar a disputa por obras made in Brazil. “O avanço da economia brasileira aumentou muito a curiosidade sobre a produção artística local”, diz o colecionador argentino e megaempresário Eduardo Constantini, dono de uma das maiores coleções de arte latino-americana do mundo, aberta por ele ao público em 2001 sob o teto do Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba).
Ser exibido numa instituição de prestígio — e, melhor ainda, entrar para seu acervo — é o pri meiro passo para a validação de um artista. A aquisição feita por museus, fundações e afins atiça o interesse do colecionador particular. Por isso, os brasileiros já são muito mais vistos nas feiras de arte, um tipo de shopping center temporário em que se passeia por uma sucessão de galerias que vendem todo tipo de obra. Dos 260 expositores na edição de dez anos da Art Basel de Miami Beach, em dezembro, doze vieram de São Paulo e quatro do Rio de Janeiro. Um recorde num circuito em que a presença de cinco galeristas já seria motivo de comemoração.
Pelos cálculos da Apex-Brasil, agência de promoção de exportações do governo federal, parceira da Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact), a exportação de arte nacional em 2011 superou os 60 milhões de dólares — quase o dobro do recorde anterior, de 2009. Não é o único termômetro para medir esse interesse. Em março, a entidade organizou uma palestra com o curador inglês Neville Wakefield, que acumula trabalhos na Frieze Art Fair, uma das feiras mais respeitadas do mundo, e na Bienal de Veneza, para apresentar os artistas brasileiros emergentes. O evento fazia parte das programações off-The Armory Show, feira de arte moderna e contemporânea de Nova York. Junto com a palestra, a editora carioca Dasartes lançou o Brazil Art Guide, guia em inglês com a lista de galerias, museus, eventos e nomes-apostas do país. Avesso ao público, Neville Wakefield aceitou falar para 25 inscritos. Teve de vencer a timidez, porque a galeria Josée Bienvenu, no efervescente bairro do Chelsea, palco da conversa, recebeu 100 interessados em saber quais eram os nomes quentes para investir.
Colecionadores mais atraídos pelo valor artístico da obra costumam se incomodar com “listas de compras” elaboradas exclusivamente a partir do valor de mercado. Em fevereiro, Thomas Cohn, que revelou Adriana Varejão e perdeu dinheiro ao lançar o cearense Leonilson, fechou a galeria na Avenida Europa, em São Paulo, depois de quase trinta anos de métier. Orgulhoso de nunca ter comercializado “uma obra que não quisesse ter na sala de casa”, Cohn se chateou com a compra “por ouvido, e não com os olhos” — quando se ouve dizer que o investimento é bom e se adquire a obra pela poupança, não pelo prazer. É, no entanto, no território dos milhões que se mede o prestígio do artista. De Adriana Varejão, Parede com Incisões à La Fontana II atingiu 1,7 milhão de dólares em fevereiro de 2011 num leilão da Christieís ó 100 vezes a cifra pela qual foi comprada uma década atrás. Foi o mais alto valor pago pela obra de um artista brasileiro vivo. A venda histórica supera o 1,4 milhão de dólares desembolsado por Eduardo Constantini em 1995 pelo Abaporu.
Considerada pelo argentino a “Mona Lisa do Malba”, a tela de 1928 de Tarsila do Amaral marca o movimento modernista. Tarsila acreditava na arte genuinamente brasileira, a ponto de assimilar no quadro — a figura de pé gigante, sob o sol e ao lado de um cacto nordestino — a ausência da perspectiva e a simplicidade das pinturas naïves. É essa autenticidade que busca o curador da Fundação Cartier. Se Neves Torres, Izabel Mendes da Cunha e Véio podem ser Tarsila um dia, um leilão dirá. O primeiro passo será dado em 15 de maio, quando a Cartier convida a apreciar com os olhos — e não com o bolso — as obras populares brasileiras.