São Paulo, a capital dos modernistas
Passados noventa anos da Semana de Arte de 1922, marcas dos artistas e da revolução cultural ainda são visíveis no centro e em outros locais da cidade
No início do século passado, São Paulo era uma cidade emergente, com metade dos habitantes do Rio de Janeiro e boa parte deles de origem estrangeira. Antes mesmo da realização da Semana de Arte Moderna, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, já contava com calendário de exposições e mercado de obras de arte. A revolução iniciada com o evento mudou para sempre o panorama cultural brasileiro. Ao completar noventa anos, seu legado será lembrado numa série de atividades. Muitas das marcas dos principais participantes do movimento ainda são nítidas na capital, não apenas no teatro que lhes serviu de palco. “Os modernistas também se encontravam em outros locais no centro, como o bar Rutli, na Rua Barão de Itapetininga, onde bebiam absinto, para escândalo de muitos”, conta a pesquisadora Márcia Camargos, autora de “Semana de 22 — Entre Vaias e Aplausos”, que está sendo reimpresso pela Editora Boitempo, referindo-se a uma bebida de altíssimo teor alcoólico (até 85%), considerada alucinógena e que teve proibida sua fabricação na fórmula original.
Entre os marcos que resistiram ao tempo, além do próprio Municipal, está o prédio que abrigava o Hotel de la Rotisserie Sportsman, por onde circulavam muitos artistas (veja o mapa no final da matéria). Desde 2004, o imóvel, rebatizado como Edifício Matarazzo, é sede da prefeitura.
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Na casa do escritor Mário de Andrade, na Barra Funda, outro ponto de convergência da Semana de 22, funciona hoje uma oficina cultural do governo do estado. “Essa casa e o ateliê da pintora Tarsila do Amaral, localizado nas imediações da Avenida Ipiranga, eram os endereços mais frequentados pelos modernistas”, diz o jornalista Marcos Augusto Gonçalves, autor de “1922 — A Semana que Não Terminou” (Companhia das Letras, 49 reais), previsto para chegar às livrarias nesta semana.
O livro relembra o cotidiano paulistano daquela época, além de narrar a vida dos principais envolvidos no festival modernista. Para a elite, a maior apreciadora dos trabalhos do grupo, as viagens internacionais, a Paris especialmente, eram bastante comuns, e frequentemente seus filhos eram enviados ao exterior de navio para concluir os estudos. Jovens sem tantas condições financeiras também sonhavam com uma formação acadêmica na Europa. Aos 20 anos, a pintora Anita Malfatti, que tinha uma atrofia congênita na mão direita, por exemplo, conseguiu convencer um tio a bancar uma temporada na Alemanha, aproveitando-se da sua ascendência alemã pelo lado materno, que incluía ainda parentes americanos (os avós se conheceram na Califórnia; a avó era mestiça de sangue indígena). “Essas curiosidades foram uma das partes mais surpreendentes da pesquisa”, afirma Gonçalves. Outro dado curioso são os laços familiares entre o pintor Di Cavalcanti e o abolicionista José do Patrocínio, seu tio. Di Cavalcanti nasceu na casa dele, na Rua Riachuelo, no Rio de Janeiro. Chegou a São Paulo aos 20 anos, trazendo no bolso uma carta de recomendação do poeta Olavo Bilac, que havia namorado sua mãe na juventude. Logo tratou de conhecer Anita, cujos trabalhos já despertavam o interesse da crítica.
Pouco tempo depois, Anita, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia e Tarsila do Amaral formariam o chamado Grupo dos Cinco, turma que gostava de trocar ideias e discutir os rumos da arte brasileira. Esses encontros, porém, só começaram depois da Semana de 22, da qual Tarsila não participou, porque naquele momento estava em Paris, estudando. Os laços entre os jovens estreitaram-se somente a partir do segundo semestre daquele ano. Meses mais tarde, Tarsila e Oswald começaram a namorar. No ano seguinte, viajaram juntos por Portugal e Espanha e foram morar em Paris. Além dos artistas, outras personalidades tiveram papel determinante na realização da Semana. Entre eles, o escritor Graça Aranha, responsável pela conferência inaugural, o advogado e escritor René Thiollier, em cuja mansão na Avenida Paulista se realizavam saraus e reuniões, e o político José de Freitas Valle, mecenas das artes que fazia de sua casa, a Villa Kyrial, na Vila Mariana, hospedaria de artistas e ponto de encontro dos intelectuais paulistanos.
1. Villa Kyrial, onde os protagonistas da Semana se reuniam na Vila Mariana.
2. Hotel Terminus, endereço aos artistas vindos de outras cidades.
3. Casa de Mário de Andrade, imóvel que hoje abriga uma oficina cultural do governo do estado.
4. Ateliê de Tarsila do Amaral, principal local de reuniões do Grupo dos Cinco.
5. Conservatório Dramático e Musical, em que Mário lecionava música.
6. Casa de Paulo Prado, onde eram servidos memoráveis banquetes.
7. Bar Rutli, endereço boêmio em que os vanguardistas tomavam absinto.
8. Hotel de la Rotisserie Sportsman, frequentado pelos artistas e onde Graça Aranha se hospedava.
9. Garçonnière de Oswald de Andrade, destinada a encontros amorosos e com amigos.
10. Teatro Municipal, sede dos eventos realizados em fevereiro de 1922.
11. Rua Conselheiro Nébias, ponto de encontro a partir de 1924.
12. Vila Fortunata, a antiga residência do mecenas René Thiollier na Avenida Paulista, onde hoje é o Parque Mario Covas.