Ferretti: uma lenda italiana made in São Paulo
Recém-inaugurada fábrica em Vargem Grande Paulista produz modelos de barcos que são espécie de Ferrari dos mares
Fica a 120 quilômetros do mar, em Vargem Grande Paulista, na região metropolitana, a única linha de produção Ferretti fora da Itália. Espécie de Ferrari dos mares, a Ferretti é uma lenda entre milionários do mundo todo. Galpões altos que ocupam desde junho uma área de 145.000 metros quadrados, no quilômetro 42 da Rodovia Raposo Tavares, atualmente escondem 26 desses objetos de desejo em construção. O gigantismo dos barcos impressiona. O menor deles tem 16 metros de comprimento, quase o mesmo tamanho de um ônibus articulado. A fábrica produz oito modelos das linhas Ferretti e Pershing, entre 53 e 83 pés. O mais barato, a Ferretti 530, custa 3,6 milhões de reais. O mais caro pode ultrapassar os 15 milhões de reais.
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Para atenderem à grande demanda de entregas para o verão, 500 funcionários se dividem em dois turnos. Curiosamente, o barulho no lugar é mínimo. Não há grandes máquinas, e o trabalho é praticamente o dos artesãos. A mão de obra especializada é tão importante que a empresa está formando marceneiros em suas instalações em parceria com o Senai — atualmente, são cinquenta alunos. A falta de profissionais qualificados e de marinas é o principal entrave para a construção de barcos por estas bandas. Para garantir que os modelos seguissem o padrão de qualidade internacional, a matriz italiana enviou supervisores uma dezena de vezes ao Brasil. “Até que um dia eles finalmente se convenceram de que aprendemos e pararam de vir”, brinca o gerente de marketing Diego Christiansen, filho de Marcio Christiansen, responsável pelo grupo Ferretti no país.
A empresa italiana atuava no Brasil havia dezenove anos, mas, até então, licenciando sua marca para Christiansen. Os barcos produzidos aqui antigamente, sob a marca Spirit Ferretti, eram adaptações de modelos fora de linha na Itália. Hoje, não mais. Trata-se dos mesmos modelos. Detalhe: não estamos falando apenas de uma linha de montagem. A maioria das peças usadas é confeccionada no país. Até 2014, quando a fábrica estará totalmente pronta, Marcio Christiansen espera mais que dobrar sua capacidade de produção e chegar a 120 barcos por ano, contra os quarenta atuais. O prazo de entrega é uma das poucas diferenças que se mantêm. “Clientes que assinaram contrato comigo em setembro já sabem que não receberão o barco antes da metade do ano que vem. Minha desvantagem é não ter unidades para pronta entrega, enquanto os estrangeiros estão cheios de lanchas paradas”, afirma Christiansen.
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Os maiores barcos, acima de 100 pés, não são produzidos na fábrica paulista. Quando o empresário Eike Batista comprou sua Pershing de 115 pés, pagou 85 milhões de reais por uma importada. Para esse tamanho de barco, a qualidade italiana ainda é imbatível. Não foi só Eike que importou. Os efeitos prolongados da crise de 2008 deixaram os grandes estaleiros mundo afora com estoques encalhados. No ano passado, facilidades fiscais, somadas ao bom cenário nacional com o real em alta, fizeram com que o Brasil virasse um dos grandes importadores mundiais de embarcações de lazer. Há mais de vinte fábricas estrangeiras com representantes no país. Dez delas anunciaram a intenção de construir fábricas por aqui, e pelo menos três já concretizaram esses planos.
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O susto com os importados fez com que os produtores brasileiros se unissem. A última vitória foi o aumento do imposto de importação sobre barcos, de 20% para 35%. “Com o mercado em crise, os barcos saíam do exterior com até 40% de desconto sobre o preço de tabela e, mesmo com impostos, chegavam aqui ainda muito baratos”, diz Christiansen. De acordo com ele, com o novo panorama, a carga tributária sobre os importados subiu até 130% em alguns casos. Isso porque sobre esse imposto incidem outros impostos em cascata. Somem-se a isso as incertezas com o câmbio, e o cenário para quem importa é de mar bastante agitado.
Segundo o gaúcho Nelson Ilha, proprietário da Central Náutica de Porto Alegre, empresa que comercializa barcos de várias outras marcas, “até ontem, com o dólar baixo, era mais barato importar”. Ainda assim, muita gente preferia os barcos brasileiros por causa da assistência técnica. Há outra vantagem. O dono de uma lancha feita aqui não apenas acompanha sua construção — ele pode dar palpites e até escolher a decoração. Durante a visita de VEJA SÃO PAULO LUXO ao estaleiro, um proprietário estava a bordo de seu futuro barco, um dos maiores da linha. Ele conversava com funcionários, fazia perguntas e lhes dava dicas. Uma lancha como a dele, de 75 pés com quatro suítes, é tão completa quanto um apartamento de 250 metros quadrados. “Tivemos um cliente que vinha todos os dias, conhecia os funcionários pelo nome, e no dia da entrega do barco, convidou os que trabalharam na construção para um churrasco”, conta Christiansen. Só faltou ser em alto-mar.