Esta é a minha primeira crônica para VEJA SÃO PAULO. Fui encarregado da tarefa de substituir o grande Walcyr Carrasco. É uma honra. Não vai ser fácil. Passei os últimos dias com o estômago embrulhado de nervoso ou, como se diz em inglês, com borboletas na barriga. E olha que, em matéria de crônica, sou veterano. Escrevi-as para “O Estado de S. Paulo” desde a Copa do Mundo de 1994 até outro dia. Quando comecei, Romário era centroavante da seleção, e Ronaldo Fenômeno, um garoto magrelo que, contra a vontade coletiva da nação, foi mantido no banco de reservas pelo técnico Carlos Alberto Parreira.
Nunca me esqueço, aliás, de um artigo que li no jornal “Los Angeles Times” ao chegar àquela cidade, junto com a seleção. O jornalista americano tivera acesso aos recados deixados para Parreira no hotel. Eram três. O primeiro, do presidente da República, Itamar Franco, pedia a escalação do Ronaldo. O segundo, do Pelé, sugeria o mesmo. O terceiro, no entanto, era da mãe do Parreira. Ela perguntou por que o filho ainda não colocara o Ronaldo para jogar.
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Vim para o Brasil pela primeira vez por acaso. Participei de um intercâmbio de estudantes no colégio, em Del Mar, na Califórnia, chamado AFS. Fora criado por ex-motoristas de ambulância da II Guerra Mundial. O objetivo era promover o entendimento entre povos para evitar que acontecesse outro conflito daqueles. Nos campos de batalha da Europa, os motoristas viram barbaridades. Se os adolescentes de países diferentes se conhecessem, quem sabe namorassem um pouco, raciocinaram, não matariam uns aos outros depois.
Os alunos americanos do AFS não escolhiam o destino. A ideia era espalhá-los mundo afora. Caí em Dourados, em Mato Grosso (hoje, do Sul), aonde cheguei sem falar nada, nadinha, de português uma semana antes do Carnaval. Corria o ano de 1976.
Deixo as histórias de Dourados para outra ocasião. Elas melhoram com o tempo. Voltei três anos mais tarde a São Paulo para fazer outro intercâmbio (eu me viciara). Falava já o português e escolhera a cidade. Fiz um ano de humanas na Universidade de São Paulo. Como aluno de fora, eu podia assistir a cursos em mais de uma área. Estudei história, letras e ciências sociais.
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São Paulo foi, para mim, amor à primeira vista. Eu tinha 20 anos de idade. Adorava a energia e a liberdade da cidade. Embriaguei-me com o intelectualismo da cultura universitária e da imprensa. A naturalidade com que gente dos quatro cantos se misturava me fascinava. Havia, no ar, a excitação de uma metrópole terceiro-mundista com tudo por fazer. Voltaria, ainda, aos Estados Unidos para estudar história do Brasil com Richard M. Morse, autor do livro clássico Formação da Cidade de São Paulo. Aí não havia mais escapatória, como se diz. Meu destino estava selado.
O primeiro filho, Lucas, nasceu no bairro da Liberdade em 1984. Pouco tempo depois, eu escreveria uma crônica sobre a dificuldade de ligar para minha mãe, na Califórnia, pelo orelhão, às 5 da madruga. De lá para cá, o mundo encolheu. Os povos se aproximaram. São Paulo deixou de ser Terceiro Mundo. Não houve, graças a Deus, mais nenhuma guerra mundial. E ficou bem mais fácil ligar, pelo Skype, para minha mãe, na Califórnia. Mesmo de madrugada.
Sou paulistano por opção. Desde a primeira visita, sempre quis viver aqui. São Paulo mistura o melhor de uma grande cidade, energia, faniquito, sofisticação e variedade de tipos e pessoas, com um personalismo brasileiro e um tanto interiorano até. Minha filha Maria nasceu no Morumbi em 1991. Em 2003, o caçula, Samuel, veio ao mundo a um quarteirão da Avenida Paulista.
Daqui não saio mais.