Assassinato de estudante reacende medo na USP
Estudantes, professores e funcionários mostram preocupação quanto à segurança nas dependências da universidade
A Faculdade de Economia e Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo é uma das mais respeitadas instituições de ensino superior do país. Com 3.700 alunos e 189 professores, ela já teve entre seus mestres intelectuais, políticos e economistas do porte do ex-ministro Delfim Netto e do escritor Eduardo Giannetti da Fonseca. Na manhã de quinta-feira passada (19), quando chegaram para mais um dia de aula de seus sete cursos, estudantes e docentes ficaram chocados com a notícia de que, na noite anterior, o aluno Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, matriculado no 4º ano de ciências atuariais, havia sido assassinado no estacionamento da escola. Com um tiro na cabeça, disparado por um revólver calibre 380, o corpo foi encontrado ao lado do carro do jovem, um Passat preto blindado de 1999. A testemunha mais próxima ao local, um vigia, afirmou à polícia ter se escondido depois de ouvir o disparo. Em seguida, viu um veículo deixar o lugar e um outro suspeito correndo em direção ao portão 2. Até o fechamento desta edição, os investigadores trabalharam com a hipótese de tentativa de roubo.
+ “Nós todos matamos esse menino”, diz reitor da USP
O crime soma-se a outras ocorrências acontecidas no câmpus da USP nos últimos meses. Desde janeiro, foram registrados ali cerca de 170 furtos e 45 roubos. Mas o clima de insegurança entre os frequentadores do local é muito maior, indicando que os problemas podem estar subnotificados. Uma recente onda de sequestros-relâmpago elevou ainda mais esse estado de tensão. Entre março e abril, pelo menos cinco casos foram confirmados pela reitoria. Os bandidos abordam as vítimas dentro da Cidade Universitária e rodam com elas até os caixas eletrônicos para sacar dinheiro. “Ninguém fica tranquilo por aqui, principalmente à noite”, afirma Natália Toledo, estudante do 2º ano de administração da FEA, que cancelou as aulas no dia seguinte ao assassinato. Alunos dessa e de outras faculdades fizeram protestos, exigindo da administração da USP medidas para resolver os problemas. “Nós todos matamos esse menino. Prefere-se correr o risco da violência a ser considerado direitista”, afirma o reitor João Grandino Rodas, que, na tarde da última quinta-feira 19, convocou uma nova reunião do Conselho Gestor do Campus para estudar a adoção de medidas emergenciais.
Rodas se refere à dificuldade de implantar a solução mais óbvia: permitir o patrulhamento regular da universidade pela polícia, alternativa que é alvo de um debate que se arrasta há tempos no Conselho Gestor do Campus. Reunindo representantes da reitoria, alunos, professores e funcionários, o órgão tem poder para definir as normas sobre a segurança no local. Não há consenso sobre a conveniência da presença de soldados armados, sobretudo pela resistência de algumas alas mais radicais de faculdades como a de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Em 2009, uma passeata que reuniu cerca de 3.000 pessoas foi da Avenida Paulista ao Largo do São Francisco protestando contra a presença da PM ali. Entre os argumentos dessa turma, aparecem disparates como “a USP não pode ficar encastelada” ou que o local deve ficar livre de “forças repressoras”. Em razão disso, a PM atualmente só executa algumas blitze e operações dentro do câmpus.
Na maior parte do tempo, o patrulhamento da área fica a cargo da inofensiva Guarda Universitária, composta de seguranças que andam desarmados e cuja atuação tem caráter estritamente patrimonial. São 114 agentes para uma área de 4 milhões de metros quadrados e 100.000 frequentadores por dia, o que dá uma média de um vigia a cada grupo de 880 pessoas. Como a discussão não avança, alguns setores resolveram agir por conta própria. No começo do ano, a FEA instalou 150 câmeras dentro e fora de seu prédio. Antes do crime, a administração da faculdade já havia tomado também a decisão de colocar catracas na portaria. Os equipamentos devem funcionar por ali a partir de julho.
Por incrível que pareça, até essas medidas mais simples ganham opositores dentro da USP. “Enfrentamos uma grande discussão e não vamos recuar”, afirma Reinaldo Guerreiro, diretor da FEA. Evidentemente, esse tipo de reforço não tem o objetivo de tornar a universidade imune a assaltos. Tampouco a presença ostenstiva da PM faria isso. Mas ninguém precisa ser um especialista no tema para saber que os criminosos preferem locais onde enfrentem menos riscos. Do jeito que está desprotegida, a USP representa um convite à ação dos bandidos. “É um absurdo um esquema tão precário num lugar público”, afirma o coronel José Vicente, ex-secretário nacional de Segurança Pública.
Esse descaso contribuiu para colocar um ponto final nos sonhos do estudante Felipe, que deveria se formar em ciências atuariais no fim deste ano. Filho mais velho de um projetista elétrico e de uma dona de casa, morava com os pais e a irmã mais nova num sobrado de classe média do bairro de Pirituba, na Zona Oeste. Sem condições de bancar as mensalidades em faculdades particulares, a família se sacrificou para garantir a ele a chance de estudar na USP.
O aluno da FEA trabalhava havia dois anos e meio como consultor financeiro em uma companhia de gestão de fundos e investimentos e, recentemente, tinha aberto em sociedade com um amigo uma pequena seguradora. Disciplinado e ambicioso, traçara um plano para conseguir amealhar num prazo curto de tempo o suficiente para ter conforto financeiro. “Ele sempre dizia que queria ser alguém na vida”, conta o pai, Ocimar Paiva. Felipe namorava havia quatro anos uma analista de marketing, gostava de esportes (chegou a praticar artes marciais durante um tempo) e pouco saía de casa. Recentemente, começou a se preparar para viajar pela primeira vez ao exterior. Cinco dias antes do assassinato, tirou o passaporte e falava de forma entusiasmada sobre um plano de conhecer a França.
Antes da tragédia da semana passada, já fora assaltado duas vezes na cidade. Numa delas, encontrava-se dentro de um ônibus quando foi abordado por um ladrão. Na hora, reagiu à agressão, mas não saiu machucado. “Meu filho era bravinho e sempre dizia que ninguém iria tirar o que ele havia conquistado com tanto esforço”, afirma a mãe, Zélia Ramos. O Passat blindado era o bem mais caro que adquirira até hoje. Foi comprado em novembro passado, por 20.000 reais. Uma maçaneta quebrada no carro e algumas escoriações encontradas em seu corpo indicam que talvez ele tenha levado a cabo a intenção de lutar para preservar seu patrimônio.