Documentário cênico “Luis Antonio — Gabriela” inquieta o espectador
Sem juízo de valores, peça inspirada na história do irmão do diretor Nelson Baskerville revela detalhes que podem chocar a plateia
Velhos conhecidos do público de cinema, os documentários ganharam força e até certa popularidade na última década. A transposição de uma história real para o palco sem desvios ficcionais, batizada de documentário cênico, começa a acumular exemplares. Em 2009, o ex-casal Janaina Leite e Felipe Teixeira Pinto protagonizou “Festa de Separação”. Agora, Luis Antonio — Gabriela, montagem da Cia. Mungunzá, confirma quanto esse novo gênero teatral pode ser relevante.
Com extrema e admirável coragem, o diretor Nelson Baskerville mexe na própria história para conceber o espetáculo, ao lado de Verônica Gentilin e dos demais atores. Irmão mais velho de Baskerville, Luis Antonio (interpretado pelo ótimo Marcos Felipe) nasceu em 1953, era homossexual e viveu em Santos até os 30 anos. Nessa época, já afastado da convivência familiar, mudou-se para a Espanha e, por três décadas, quase nada se soube dele, tampouco se fazia questão de saber. Em Bilbao, Luis Antonio transformou-se em Gabriela, estrelou shows em boates e acabou vitimado pela aids em 2006.
O resultado comove e inquieta o espectador em um surpreendente conjunto. Sem juízo de valores, piedade ou mágoa, a peça desmascara uma realidade que só a proximidade possibilita. Como diretor e autor, Baskerville revela detalhes íntimos que podem chocar a plateia — sem jamais soar excessivo ou vulgar, graças a uma encenação apoiada no lirismo e em soluções sutis. Um acerto foi ele estar fora do palco e, para seu papel, escalar a atriz Verônica Gentilin. Ela expressa de maneira natural a personalidade de um garoto confuso que, tanto tempo depois, ainda tenta ajustar as contas com o passado.
AVALIAÇÃO ✪✪✪✪