Justiça investiga prefeitura por má aplicação de dinheiro de multas
A alegação é de que pelo menos 437 milhões de reais teriam sido usados para pagar salários de funcionários da CET
De 2014 para cá, disseminou-se entre os paulistanos a tese de que a prefeitura manteria uma “indústria da multa” destinada a punir o maior número possível de motoristas para engordar os cofres públicos. Na atual administração, a quantidade de equipamentos de fiscalização eletrônica praticamente dobrou na capital, chegando a 957. A propagação desse tipo de recurso ajuda a explicar o aumento expressivo das sanções aplicadas por aqui.
Entre 2010 e 2015, o número saltou de 6,9 milhões para 14,6 milhões, o equivalente a uma evolução de 111%. Somente nos primeiros quatro meses de 2016, a quantidade de autuações foi de 5,2 milhões. Nesse ritmo, há grande probabilidade de este ano terminar com a marca de 16 milhões, um novo recorde na área. Dividindo-se esse total pela frota da metrópole, daria uma média de duas multas por veículo.
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Fernando Haddad, apelidado de “Raddard” pelos críticos, costuma refutar os questionamentos dizendo que a política tem sido uma poderosa arma para civilizar o trânsito. Segundo ele, graças a uma vigilância maior e à redução dos limites de velocidade, as mortes em acidentes ocorridos em ruas e avenidas caíram 20% na cidade nos últimos dois anos. A gestão municipal também sustenta que uma parcela de aproximadamente 30% de motoristas respondeu pelo total de multas em 2015. Isso significa que a maioria anda dentro da linha e não tem com que se preocupar.
Os argumentos de Haddad não impedem que o tema continue causando discussão. Na terça, 9, a juíza Carmen Teijeiro, da 5ª Vara da Fazenda Pública, acolheu uma denúncia do Ministério Público (MP) segundo a qual a prefeitura precisa devolver 653 milhões de reais obtidos com punições a infratores, mais da metade da arrecadação de 2015, de 1 bilhão de reais. A alegação é que o dinheiro não foi aplicado em sinalização, em campanhas de conscientização nem em medidas correlatas, como prevê o Código Brasileiro de Trânsito. De acordo com a ação, pelo menos 437 milhões de reais teriam sido usados para pagar os salários de funcionários da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).
Um relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM), obtido com exclusividade por VEJA SÃO PAULO, critica a gestão financeira da prefeitura. “A CET não pode contar com a ocorrência de infrações para a sua existência”, apontam os auditores do órgão em um trecho do documento. Eles condenam também a utilização de parte do montante para custear obras de melhorias viárias não previstas em lei específica. No caso, 45 milhões de reais foram revertidos para a construção de corredores e terminais de ônibus e outros 19 milhões para a instalação de novas ciclovias. “É um expediente totalmente ilegal”, afirma o promotor Marcelo Milani, da promotoria do Patrimônio Público e Social.
Este é o segundo ano seguido em que o MP acusa a prefeitura de fazer uso indevido dos recursos das multas. No primeiro processo, referente a 2014, quando o valor arrecadado girou em torno de 802 milhões de reais, Haddad e três secretários tornaram-se réus. Esse caso segue em tramitação na Justiça. Os quatro foram novamente denunciados no processo do último dia 9. Se condenados, podem perder os direitos políticos ou até mesmo ser obrigados a indenizar a cidade. Em nota, a gestão municipal reclamou de perseguição: “Trata-se de mais do mesmo, do mesmo promotor. A prefeitura vai se defender”. A discussão nos tribunais pode levar anos.