Entenda o tema ‘Estranhamente Familiar’ de mostra no Tomie Ohtake
O curador Paulo Miyada escolheu termo estudado por Freud para reunir jovens artistas da arte contemporânea
É fato que existem palavras intraduzíveis. Caso de “saudade”, em português. Difícil explicar para qualquer estrangeiro que o significado desta palavra vai além de “sentir falta” de alguma coisa ou de alguém. Em alemão, “unheimlich” faz as vezes de saudade, ainda que o conceito seja bem diferente.
O termo, estudado e publicado em ensaio por Sigmund Freud em 1919, pode traduzir sensações contraditórias: transita facilmente entre o que é estranho e ao mesmo tempo familiar, o que é belo e causa repulsa, o que é positivo e negativo. Justamente por isso, este tema foi escolhido por Paulo Miyada para inaugurar a primeira edição do projeto Arte Atual, do Instituto Tomie Ohtake.
Estranhamente Familiar/Unheimlich, em cartaz até o dia 28 de abril, agrupa obras de quatro jovens artistas brasileiros – Alice Miceli, Mariana Manhães, Rodrigo Matheus e Thiago Honório – cuja base é a experimentação. “A palavra ‘unheimlich’ apresenta sensações muito contraditórias, combina o bizarro com o incrível, algo negativo com o que nos seduz profundamente”, diz Paulo. “Esta é uma das características que a arte contemporânea promove: ela não passa necessariamente beleza e vem misturada com desconforto.”
Por isso, a reunião de artistas que já têm um trabalho reconhecido, mas ao mesmo tempo “apresentam um dado experimental muito forte, renovado a cada trabalho e que passam, em comum, esta sensação”, complementa Paulo. De alguma maneira, o quarteto, que tem em média 30 anos de idade e dez de carreira, prova alcançar este estado “estranhamente familiar”.
Rodrigo Matheus escolheu elementos aparentemente banais para a sua instalação: pedrinhas, lâmpadas e objetos de decoração que, juntos, são capazes de criar paisagens fictícias e causar uma sensação de desnorteamento.
Mariana Manhães preparou um artefato com ventiladores e cortinas eletrônicas que lembra um organismo vivo e dá a falsa noção da presença de um grande animal dentro da sala.
Thiago Honório, por sua vez, apresenta dois trabalhos: o primeiro é feito de uma pele inteiriça de zebra – com direito a rabo, orelha etc –, que reveste um cubo de acrílico e dá forma a um corpo estranho, “grotesco e patético, ao mesmo tempo”, nas palavras do curador. O segundo é um conjunto de estojos cujo interior é todo de camurça, lembrando compartimentos para carregar relógios ou bolsas (o que cria uma intimidade instantânea), mas se revela vazio.
E, por fim, Alice Miceli, que partiu do conto de fadas O Flautista de Hamelin, recriado de uma história popular pelos irmãos Grimm, para criar uma videoinstalação. A história do flautista que encanta crianças e desaparece com elas foi recriada a partir de uma única imagem, que ganha contornos mais ou menos intensos de acordo com o andamento de uma música tocada.
Tudo estranhamente familiar.