Paulistanos mudam rotina para driblar a falta de água
Em meio a galões de água, balde e caminhões-pipas, moradores adotam estratégias tentando se preparar para o pior cenário
No Jardim Aeroporto, o engenheiro Richard Olandim está estocando garrafas de água há mais de um mês. Na Pompeia, a advogada Maria Antonietta Silva reservou um quartinho para armazenar os galões que compra diariamente.“Já fiquei dois dias inteiros com a torneira seca em casa”, explica. Na Casa Verde, após cortes contínuos no abastecimento, o Condomínio Residencial Porto Seguro decidiu em assembleia fazer quatro poços artesianos para atender seus 3 500 moradores. Esses são apenas alguns exemplos de como a crise hídrica passou a afetar a vida das pessoas da metrópole. Embora a Sabesp ainda negue ter adotado por aqui o racionamento, algumas pessoas sofrem com a escassez de água. Quem ainda não sentiu o problema na pele começa a se mobilizar em meio à sucessão de notícias preocupantes a respeito do fim das reservas do Sistema Cantareira.
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Na semana passada, uma pesquisa do Datafolha a respeito do assunto indicou como a situação é preocupante. Segundo ela, cerca de 60% dos 804 entrevistados relataram ter sofrido cortes no fornecimento nos últimos trinta dias. O levantamento perguntou também se as pessoas pretendiam estocar água em casa daqui para a frente. Quase 70% delas responderam afirmativamente.
Com a campanha Tô sem Água, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) recebeu desde junho 668 reclamações do gênero. Com base nos dados coletados, foi possível mapear as regiões mais prejudicadas — as zonas Oeste e Norte lideram o ranking. A qualidade da água também tem sido alvo de queixas. Para 59% das pessoas, o líquido fornecido apresenta algum tipo de comprometimento.“Quando a água vem, o gosto é ruim”, reclama Richard Olandim. Segundo a Sabesp, a reclamação não procede. “O túnel que capta e envia água para a bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí fica na altura do volume morto. É usado há anos e nunca causou problema algum”, diz o superintendente da companhia, Marco Antonio Lopez Barros.
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A corrida pelo líquido já começa a refletir nas prateleiras dos supermercados. Grandes redes como Carrefour, Pão de Açúcar e Walmart registraram alta de até 50% na procura nos últimos meses, principalmente por embalagens maiores (de 5 a 10 litros). Por enquanto, a Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam) descarta o risco de faltar o produto. “Estamos preparados para atender até três vezes a demanda atual”, afirma o presidente, Carlos Alberto Lancia. As empresas de caminhões-pipa não trabalham com a mesma folga. “Os estoques estão se esgotando”, alerta a gerente do SR Transportes, Rita Furquim. De acordo com ela, houve um aumento de 300% no número de pedidos somente na semana passada, quando as temperaturas bateram recorde na capital. Na Flash Água, que tem recebido uma média de trinta ligações por dia (antes eram dez), os clientes estão em fila de espera. “Não damos conta de atender todo mundo”, diz o dono, Mario Gouveia.
Sem nenhum tipo de aviso prévio das interrupções no fornecimento, muitos estabelecimentos acabam sendo pegos de surpresa. Foi o caso da lanchonete St. Louis, no Jardim Paulista, em duas ocasiões recentes. “Tivemos de comprar na hora seis galões de 20 litros para poder dar descarga nos banheiros”, conta o dono, Luiz Cintra. Na segunda vez, ele tomou uma medida radical: substituiu copos e pratos por versões descartáveis para não gastar água ao lavar a louça. “Acendeu a luz da preocupação”, diz o empresário, que triplicou o estoque de produtos do gênero.
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Os colégios também entraram em estado de alerta. Em Interlagos, o A.Einstein cortou o banho dos cerca de 500 estudantes que ficam no local em tempo integral. “Foi drástico, mas a economia compensa”, afirma a diretora, Roberta Valverde. Ela ainda fez outras adaptações: instalou temporizador nas torneiras, trocou os vasos sanitários por modelos mais econômicos e até os bebedouros tiveram seu fluxo reduzido. Segundo levantamento da prefeitura, neste mês 34 escolas da rede pública registraram desabastecimento e tiveram de recorrer a caminhões-pipa ou galões de água. Na Mooca, a Emei Almirante Tamandaré chegou a dispensar os alunos por falta de água no último dia 14.
Lavar o carro é um hábito em baixa. “O movimento por aqui caiu 30%”, reclama Sandra Orlando, proprietária do lava-rápido Express, na Vila Romana. Segundo Horácio Bonoldi, dono do Multilimp, na Pompeia, os clientes que costumavam aparecer semanalmente agora vêm apenas uma vez por mês. As lavagens a seco, com o uso de produtos químicos dissolvidos em 400 mililitros de água, são outra saída, mas chegam a custar mais de 50 reais, o dobro do método convencional.
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Nos condomínios, o tema do momento são as discussões para economizar a todo custo. No Porto Seguro, da Casa Verde, que compreende um complexo com onze prédios, os síndicos fizeram recentemente uma série de ações com esse objetivo. Elas envolveram a instalação de redutores de água nas torneiras das áreas comuns, vistoria de todos os 836 apartamentos à procura de possíveis vazamentos e fechamento de uma das duchas da piscina. Em uma das torres, a conta mensal caiu de 10 600 reais para 4 500 reais. “Se as coisas piorarem, pensamos até em fechar a piscina”, diz a administradora do local, Marilu Bento. O condomínio estuda agora tirar do papel um projeto antigo: a abertura de poços artesianos.
Esse recurso tem sido uma opção cada vez mais frequente. “Alguns locais contam com tantas perfurações do tipo que já começa a escassear a água no subsolo”, espanta-se o vice-diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas da USP, Ricardo Hirata, citando o bairro da Barra Funda e as regiões de Guarulhos e do ABC como exemplos.
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Poupar água não depende necessariamente de grandes obras. Uma alternativa prática e rápida é a instalação de restritores de vazão nas torneiras. Esses acessórios reduzem em até 50% o consumo e saem por menos de 10 reais. No caso de vasos sanitários com caixa acoplada, por exemplo, é possível trocar apenas a válvula da descarga por um modelo com duplo acionamento. Com preço em torno de 150 reais, o sistema libera apenas 3 litros para dejetos líquidos e 6 litros para sólidos, a metade das versões convencionais. “É importante mudar os velhos hábitos, porque ficar sem água é muito mais doloroso”, lembra Dalberto Adulis, consultor do Instituto Akatu, ONG dedicada ao consumo consciente.