Oficina ‘antiprincesa’ chega à Grande São Paulo
Meninas de nove a quinze anos poderão participar de debates sobre grandes personalidades femininas e terão workshop de autodefesa
Aos oito anos, Eloah Werner é fã da princesa Ariel, da Disney, mas também adora a artista plástica Frida Kahlo e a ativista paquistanesa Malala. A menina já pintou o cabelo de rosa e cortou curtinho, no estilo Chanel. Nas palavras da mãe, Camilla Werner Koeppl, de 32 anos, Eloah é uma garota “de personalidade e meio maloqueirinha”, que destoa das colegas “mais delicadas”. Agora, de acordo com Camilla, a menina experimenta uma fase de busca por aprovação dos amigos na escola. E tem esbarrado em críticas por ser “diferente”.
Com a intenção de “fortalecer” a filha, a mãe tomou o sentido contrário à Escola de Princesas, que chamou a atenção dos pais neste ano no Brasil. Matriculou a menina em uma Oficina de Desprincesamento, que chegou ao país no segundo semestre. “A Eloah gosta de ser princesa, e tudo bem por mim. Sei que é muito da fase. Cresci vendo filme de princesas, mas é preciso aprofundar as histórias, discutir e debater com as meninas”, defende Camilla.
A oficina é indicada para meninas de nove a quinze anos e ocorrerá no início de dezembro em São Caetano do Sul, no ABC paulista. O treinamento é resultado de uma consultoria de chilenos para um grupo de cerca de 40 brasileiras. Participaram da capacitação virtual a psicóloga e filósofa Larissa Gandolfo e a jornalista Mariana Desimone, idealizadoras da oficina em São Paulo.
No encontro, as garotas terão workshop de autodefesa e serão apresentadas a personalidades como Clarice Lispector, Patrícia Galvão (a Pagu) e Violeta Parra.
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Estão planejados ainda um debate sobre autoimagem, o que é ser princesa e o que pode ser feito para manter um cotidiano mais igualitário entre meninos e meninas. O curso dura três dias e, no final, pais e mães são convidados a participar.
Gênero
Entre os assuntos debatidos no treinamento dado pelos chilenos foram abordados o amor romântico e questões de gênero. “Começamos a ser provocadas por causa da Escola de Princesas, que fez com que nos movimentássemos. Pesquisamos e descobrimos que no Chile havia essa proposta. Entramos em contato e pedimos a capacitação”, diz Larissa.
Segundo ela, o curso é uma forma de “plantar uma semente” nas novas gerações para minimizar a desigualdade de gênero nas próximas décadas. “Ensinamos para os meninos que eles não podem chorar, que podem ter armas e espadas, que são guerreiros. Ou seja, incentivamos a violência o tempo todo. E ensinamos que as meninas ficam esperando serem salvas pelo príncipe no cavalo, ou seja, o modelo da fragilidade. O que podemos esperar disso? Que, quando crescerem, dificilmente será possível fugir desses modelos. Talvez tenhamos de repensar isso para, por exemplo, reduzir o quadro de violência contra a mulher”, defende a psicóloga. Além do Brasil, a oficina foi replicada no México e na Argentina.
Para a psicóloga infantil e professora da PUC-SP na área de infância, juventude e família, Isabel Marin, a dicotomia entre Escola de Princesas e Oficina de Desprincesamento não é saudável. Segundo Isabela, os pais não devem nem destruir as fantasias nem alimentá-las. A especialista defende que se amplie o debate, “sem rigidez”. “O interessante seria criar espaços coletivos e plurais, onde essas meninas possam se identificar livremente e discutir. É função das escolas e das famílias trabalharem todas as contradições do que é ser mulher no século 21. Em uma sociedade democrática e plural, temos de dar espaço para todas as discussões.”
Empolgada
Embora não esteja na faixa etária da oficina, Eloah pôde participar porque completa nove anos em dezembro. Camilla diz que a filha ficou empolgada com a programação. Ela espera que a menina saia “fortalecida no próprio estilo”. “A Eloah já se sente um pouquinho bicho do mato no meio das meninas. Isso é reflexo da educação que tento dar a ela. Mas há o reflexo externo, das amigas, que com certeza têm outras influências. O curso é importante para reforçar uma mensagem que tentamos passar em casa.”
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Mas, na escola, a mãe sente que a filha acaba sendo afetada por críticas de colegas. Certa vez, Eloah cortou os cabelos na altura dos ombros e ouviu de amigas do colégio que estava “ridícula”. “O bonito é ter cabelo longo, né?”, ironiza a mãe. A menina chegou em casa chorando, chateada por ter aparado as madeixas e desagradado às colegas. “Às vezes, a Eloah tem medo de expressar a personalidade por receio do que as amigas vão pensar. Isso está deixando a minha filha um pouco tímida. Ela, no fundo, sabe que não pensa igual a todo mundo. Espero que o curso ensine que o jeito dela é legal, que ela não precisa ser igual a ninguém.”
Escola de princesas
O curso nasceu em Uberlândia (MG) e em outubro abriu uma franquia em São Paulo.
Currículo: O curso Vida de Princesa tem seis os módulos – a identidade, os relacionamentos, a etiqueta, a estética e o castelo de princesa e de princesa a rainha. As aulas são de corte e costura, culinária, lavanderia, etiqueta social e à mesa e a importância da aparência pessoal. O último módulo, com a transição “de princesa a rainha”, aborda a “restauração dos valores e princípios morais do matrimônio” e “como se guardar à espera do príncipe”.
Público: de quatro a quinze anos.
Duração: três a quatro meses
Custo: não informado
Desprincesamento
A oficina será realizada em São Caetano, nos dias 4, 10 e 11 de dezembro.
Currículo: Haverá discussão sobre o que é ser menina, por que ser “princesa” é um tema recorrente e o que é legal (ou não) em ser menina e como isso é mostrado pela mídia. Os outros temas são assédio, segurança, autodefesa, a busca de mais igualdade entre meninos e meninas e os benefícios de modelos plurais.
Público: de nove a quinze anos
Duração: três dias
Custo: R$ 70
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