O retorno dos relógios de bolso
Peça volta a contar na linha do tempo; nas versões contemporâneas, ganha até corrente de borracha
Acessório masculino indispensável para um cavalheiro até os anos 1920, os modelos acorrentados ao figurino perderam espaço para os relógios de pulso e acabaram nas gavetas dos colecionadores. Agora, retomam seu lugar de destaque na linha do tempo da relojoaria, reinventados por grandes manufaturas, de olho em uma fatia de mercado para poucos e bons.
“O relógio de bolso é hoje um acessório mais exclusivo e sofisticado que o de pulso”, diz o consultor em relojoaria César Rovel, do site Relógios & Relógios. O revival, que começou discretamente há três anos e ganhou corpo em 2014, ecoa a onda retrô, um desejo de volta ao passado determinante nas tendências de consumo. “É uma forma de expressar a vontade de desacelerar o ritmo de vida alucinante que experimentamos, sempre com pressa e excesso de informação.”
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Convém voltar no tempo para entender o contexto: criado em 1504, pelo alemão Peter Henlein, o primeiro relógio de bolso tinha uma pesada caixa de ferro e mecanismo movido a corda. O protótipo evoluiu e ganhou complicações. O turbilhão, dispositivo que compensa o efeito da gravidade no movimento dos ponteiros, por exemplo, foi criado em 1801, pelo suíço Abraham Louis Breguet, um dos mais brilhantes relojoeiros da história, driblando assim os problemas de precisão do marcador do tempo.
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Embora tenha se tornado um gadget dos mais cobiçados, no início do século XX, o relógio de pulso ganhou popularidade e colocou seu antecessor, literalmente, no bolso. Até que algo realmente novo aconteceu. No fim dos anos 90, com o boom dos celulares, a maioria das pessoas começou a carregar o telefone na bolsa e nos bolsos — e a conferir as horas no visor. Se o gesto voltou à moda, por que não atualizar, então, o bom e velho relógio de bolso?
A italiana Panerai se apressou em lançar, em 2013, o Pocket Watch 3 Days, que traz a estética do seu clássico Radiomir para o bolso, com uma corrente de estilo náutico, outro ícone da manufatura ligada ao mundo dos barcos. A corrente se repete no modelo de cerâmica negra, de 2014, com movimento turbilhão esqueletizado (à mostra no visor), de aparência futurista. Ambos possuem suporte também para mesa. Limitados a cinquenta unidades, esgotaram-se rapidamente.
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“Este é um nicho dentro de uma marca de nicho”, resume Julio Sato, diretor da Panerai para América Latina e Caribe. A audácia de reinterpretar o modelo de bolso, como diz Sato, é uma resposta à procura dos clientes pelo lado poético da relojoaria, perdido no tempo contado no pulso. “Mais do que seguir tendências, buscamos reimprimir nas versões de bolso os elementos históricos da marca”, afirma o diretor da Panerai.
A Audemars Piguet também apostou na adição de complicações ao modelo de bolso, com o Grand Complication, de 2012. De design atemporal, o modelo exibe dois cronógrafos (um deles apenas para os segundos), calendário perpétuo e repetidor de minutos. Nas reinvenções da Bell & Ross, o repetidor marca horas, minutos e segundos com toques musicais em volumes diferentes, enquanto outro, mais clean, de fundo preto, vem com capa de couro.
O camaleônico Parmigiani Fleurier (69 600 reais), com cronógrafo, pode ser adaptado tanto para o pulso como para a mesa. O modelo March Lab 1805 evoca o design dos séculos passados, modernizado com um alarme analógico, oferecido com um suporte de mesa e duas opções de fecho para a corrente. Richard Mille, um dos relojoeiros mais à frente de seus pares, resgata a era de ouro dos cronometristas com o RM 020, uma leitura de seu turbilhão em versão de bolso. É o primeiro relógio desse modelo feito de nanofibra de carbono, material ultrarresistente utilizado em jatos da Força Aérea dos Estados Unidos, que dá estabilidade ao relógio.
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Mas nem só de grifes lendárias se faz o retorno dos gadgets de bolso. Criada em 2011 pelos jovens designers Aurélien Caron, Laurent Aziz e Sari Hijji, a Fob Paris tem tudo a ver com esse novo jeito de conferir as horas. Um dos amigos do trio herdou um relógio de bolso do avô e, encantados com a mecânica, a estética e o peso da história, eles decidiram trazer a peça de volta para o presente. Não por acaso, o primeiro modelo da marca parisiense, todo preto, com parte do movimento à mostra, chama-se Rehab (reabilitação).
O italiano Giuliano Mazzuoli, que busca referências no universo automotivo, causou frisson com o Manometrino, concebido com base na aparência de um medidor de pressão de ar dos pneus, com uma caixa de aço polido, de apenas 27 milímetros. O Manometrino também subverte a corrente tradicional, propondo uma versão de borracha em tiras conectadas por parafusos, que permitem alterar seu tamanho.
Numa prova de que o revival é para todos os bolsos, o modelo custa pouco mais de 2 000 dólares. Para Pedro Cagnoni, diretor da Tissot, marca do Swatch Group, no Brasil, o adepto de relógios de bolso é um cliente que, acima de tudo, quer se diferenciar. A coleção pocket da Tissot tem modelos prateados, dourados, com pedras preciosas, mostradores coloridos ou trabalhados, a preços mais acessíveis.
“Essa linha é procurada por uma boa parcela de pessoas que prefere não exibir a peça, seja por discrição, seja por segurança”, diz Cagnoni. Cravado de diamantes 18 quilates, com corte brilhante, o feminino Elephant, de movimento quartzo, da Cartier, arrebata pela aparência. Em contraponto com a tampa, exibe a limpidez de um mostrador branco, com números romanos e, no verso, um brasão de armas com o lema “Scutum opponebat scutis” (um escudo contra muitos).
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Inspirado no original de pulso Arceau, imaginado pelo designer Henry dí Origny, em 1978, a versão pocket da Hermès apareceu pela primeira vez em 2011, em diversos temas e cores. Entre tantas criações e reinvenções, o design avant-garde do modelo de mostrador vermelho, com tampa ilustrada em esmalte e cordão de couro de crocodilo, mostra que a estética, no fabuloso mundo da relojoaria, ainda põe muita complicação no bolso.